O Zimbábue transitou do medo à celebração – e de volta ao medo.
Milhões de zimbabuanos saíram às ruas em novembro de 2017, em júbilo pela renúncia da presidência do ditador Robert Gabriel Mugabe, do partido ZANU-PF, que liderou o país desde a independência em 1980. Na eleição de 2018, um antigo homem de confiança tornado inimigo, Emerson Mnangagwa, ganhou com uma pequena margem de votos do jovem pastor e líder do Movimento para Mudança Democrática (MDC), Nelson Chamisa. Depois, tudo piorou em Zimbábue.
A inflação ultrapassa 800%, o desemprego cresce e, segundo o Programa Mundial de Alimentos da ONU, o país sofre a pior fome em uma década, com metade da população, 7,7 milhões de pessoas, sofrendo de insuficiência alimentar. Ao mesmo tempo, o novo governo segue empregando as mesmas táticas de administrações anteriores desde o inicio da colonização do país, em 1890: a ameaça ou uso da violência contra quaisquer formas de protesto, inclusive comícios eleitorais, e até estupros por parte de soldados.
Protesto pela renúncia de Mugabe no Zimbábue em 2016
Em março de 2019, a polícia repentinamente invadiu uma pequena reunião de um advogado de direitos humanos e quatro sindicalistas e apreenderam tudo que acharam, inclusive uma cópia em inglês de Pedagogia do oprimido, livro do brasileiro Paulo Freire. Bastava isso para eles serem acusados de “fomentar desobediência civil”. Mais de um ano depois, em 20 de agosto, o magistrado acabou por reconhecer que a polícia não tinha produzido provas suficientes para processar os cinco.
No 13 de maio, três mulheres – uma deputada de um partido de oposição e duas ativistas para os direitos das mulheres – sumiram depois de serem abordados por policiais num bloqueio de estrada no caminho a um protesto para reivindicar apoio para pessoas marginalizadas e sob risco de Covid-19. Dois dias depois, foram achadas, abandonadas e machucadas, numa cidade 85 quilômetros distante da capital. Elas acusam os agentes das organizações de segurança de estupro e tortura. Mas, em junho, foram presas e indiciadas por suposta fabricação das acusações. No fim, ganharam liberdade condicional sob fiança.
Diversos grupos oposicionistas conclamaram a população a um protesto nacional contra a corrupção, para 31 de julho. O governo aproveitou-se das medidas sanitárias ligadas à epidemia para declarar um lockdown total na capital, Harare, e deflagrar uma onda de repressão. Foram presos ou sequestrados mais seis ativistas de direitos humanos acusados de organizarem o protesto, incluindo Fadzayi Mahere, uma porta-voz do MDC, e Henry Chivanga, ativista que defende pessoas com deficiência.
Um dia antes do protesto, a polícia prendeu Mduduzi Mathuthu, irmã do jornalista investigativo Mduduzi Mathuthu, e recusou soltá-la até o jornalista se apresentar à delegacia central de Bulawayo, segunda maior cidade do Zimbábue. Mathuthu é editor da publicação online Zimlive e foi indiciado por organização do protesto.
Naquele mesmo dia foram presos Hopewell Chin’ono, jornalista conhecido pelas suas investigações de corrupção nas altas esferas governamentais, e Jacob Ngarivhume, líder do grupo político Transform Zimbabwe. Ambos foram acusados de “incitar violência pública.” Chin’ono foi levado à prisão de segurança máxima de Chikurubi algemado pelas mãos e pés.
A combinação de dois medos, da infecção e da violência da polícia, fez com que poucas pessoas se arriscassem para protestar. Mesmo assim, vários foram presos, inclusive Tsitsi Dangaremgba, autora de Condições nervosas, cujo romance, The Mournable Body (O corpo pranteável), foi recentemente indicado como concorrente ao Prêmio Booker, o mais prestigiosos prêmio literário do Reino Unido.
Tsitsi Dangarembga em seu protesto silencioso pelas ruas do Zimbábue
Tsitsi perambulou sozinha com uma singela placa pedindo a liberação de Hopewell Chin’ono, e Jacob Ngarivhume, até ela própria ser presa e colocada num veículo armado, um daqueles usados pelo exército da Rodésia branca contra os nacionalistas africanos durante a guerra de independência.
Nesses tempos de pandemia e crescente repressão contra críticos do governo, a dissidência tem migrado maciçamente para as mídias sociais e foi lançado um movimento Vidas Zimbabuanas Importam (#zimbabwelivesmatter). Há pouco, aconteceram dois memoráveis debates na internet. O primeiro, em 14 de agosto, sob os auspícios de Fundação Literária Jacana da África do Sul; o segundo, em 19 de agosto, organizado pelo Escritório de Resistência, que se define como “uma discussão global sobre os assuntos mais prementes na África contemporânea”.
Os três participantes no primeiro debate foram a própria Tsitsi Dangarembga e dois zimbabuanos, Tendai Biti e David Coltart. Biti, advogado e um dos vice-presidentes do MDC, foi ministro de finanças num governo de unidade nacional de 2009-13, mas não tem escapado de ser preso e de perseguições à sua família. David Coltart, o zimbabuano branco do trio, um dos fundadores do MDC, é advogado e ativista de direitos humanos, foi ministro e agora é senador.
Coltart é autor de Breaking the Silence (Quebrando o Silêncio), o relatório da Comissão Católica de Justiça e Paz e da Fundação de Recursos Legais sobre Gukurahundi, o massacre pelo exército do Zimbábue de mais de 20 mil pessoas, predominantemente ndebeles, entre 1983 e 1987.
Os debatedores analisaram a situação política atual e discutiram o que Tsitsi chamou de “antídoto” para a violência e corrupção desenfreadas do atual governo. Os três concentraram-se na questão da violência e suas origens na Rodésia colonial, desde a chegada da Coluna Pioneira, em 1890, para compreender os desdobramentos após a independência, em 1980.
Webinar #zimbabwelivesmatter. Na ordem, do topo à direita, Tendai Biti, abaixo à esquerda, Tsitsi Dangarembga e no canto direito, David Coltart
Dangarembga observou que a história de Zimbábue é a história de vidas zimbabuanas que não importam. Lembrou da guerra de libertação, quando muitas vidas foram perdidas em ambos os lados, e o período pós-independência, quando muitas vidas foram perdidas por conta da intimidação e da violência política, sobretudo da ZANU-PF. Falou do massacre gukurahundi e, finalmente, sobre o “fiasco” das disputas eleitorais de 2007 e 2008.
Biti lembrou que o Zimbábue foi sempre governado por militares – e que, com a independência, um exército substituiu outro mas a infraestrutura do Estado permaneceu idêntica. No período seguinte ao golpe militar de 2017, que afastou Mugabe da presidência, observou que a felicidade das pessoas pela queda do ditador ocultava o fenômeno em curso. Mugabe manteve uma aparência de autoridade civil; depois dele, o imperador ficou nu. Na sua síntese: “somos, literalmente, um Estado militarizado de alto a baixo”.
Em seguida, falou da corrupção, sempre ligada às mesmas poucas dezenas de pessoas que circulam nos campos da economia e do setor militar, em meio à miséria do país, com 95% de subempregados ou desempregados. Quase 80% da população vive em extrema pobreza, com US$ 0,35 por dia, sob inflação de 1.400%, menor apenas que a da Venezuela, e agora sob depressão econômica.
E miséria leva a oposição e repressão. “Todos nós estamos enfrentando acusações na justiça. Chin’ono continua preso. O pessoal do movimento da juventude está escondido. As mesmas pessoas que reprimiram no passado estão no poder agora. Uma panelinha comanda um Estado que tem sangue no seu DNA. A resposta à crise é violência e mais violência. É por isso que digo que estamos entrando numa fase violenta.”
O presidente Emerson Mnangagwa
Em 4 de agosto, o presidente Mnangagwa falou à nação utilizando “uma linguagem perigosa”: “Nós vamos varrê-los fora” e “Vocês são forças escuras.” Como observou Biti, foram essas as palavras que antecederam o genocídio de 800 mil ruandeses, em 1994.
Coltart foi além, observando que o que tornou a violência mais grave é a impunidade generalizada. Falou da dificuldade de superar uma história de violência, desde a invasão colonial de 1890 até o presente, com a possível exceção dos anos de 1950, quando Garfeld Todd foi primeiro-ministro. O que Tsitsi chamou de guerra de libertação, Coltart denominou guerra civil, tão devastadora que não deixou nenhuma aldeia e nenhuma família intocada. “Nós sofremos da síndrome de estresse pós-traumático,” afirmou, “e os protagonistas continuam vivos”.
As vítimas do massacre de Gukurahundi
Infelizmente isso não acabou com a independência, explicou Coltart. Gukurahundi foi perpetrado precisamente pelos mesmos atores presentes hoje. Em 1982, Mnangagwa foi chefe dos serviços de informação, o general Chiwenga comandou uma brigada responsável por esmagar ZAPU, o partido de Joshua Nkomo, e Perence Shiri, que morreu alguns dias atrás, comandou a quinta brigada.
O Zimbábue, ele lembrou, não teve uma Comissão de Verdade e Reconciliação como na África do Sul, já que nem Ian Smith, líder do regime de apartheid, nem Mugabe, líder da independência, queriam que a verdade fosse contada. A mesma coisa aconteceu depois do gukurahundi, com a anistia de 1988, quando a ZANU engoliu a ZAPU. Ninguém foi punido. Hoje os mesmos atores governam e sabem que a violência é eficaz e a impunidade, a regra.
Mugabe, ele registrou, tinha um grau de civilidade e inteligência. Mnangagwa não tem nada disso. É um instrumento bruto. “Temos uma tempestade perfeita, o colapso da economia, sete milhões de pessoas com comida insuficiente, e agora Covid e violações de direitos humanos. O deliberado esmagamento do MDC lembra o que aconteceu com a ZAPU. É uma tentativa de reinaugurar um Estado de partido único. Estamos isolados, vulneráveis.”
Os debatedores investigaram as possibilidades para o futuro. Biti, de longe o mais pessimista, considera imperativa a intervenção da comunidade internacional, do Conselho de Desenvolvimentos da África Meridional (SADC), da União Africana, e do presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa. Dangarembga, por sua vez, argumenta que é preciso uma nova narrativa para o país para se contrapor à desgastada e pseudo-emancipatória ideologia do ZANU-PF.
“O Estado ocupa um espaço narrativo: se não fizerem o que queremos, esmagaremos vocês. Só isso. Estamos sempre reagindo, mas não temos um projeto alternativo. Falta um movimento discursivo de protesto. Sem essa visão não temos nada para nos impulsionar.” Indo além de Biti e Coltart, conclui que a violência em Zimbábue não apenas passa impune, mas é premiada. Lamentando que as pessoas perderam a capacidade de protestar, concluiu com essas palavras: “precisa-se de um empurrão imaginativo.”
Enfermeira é perseguida por policiais durante o protesto contra Mnangagwa. Como em outros países, a pandemia serve a regimes autoritários como pretexto para a repressão
Já Coltart aposta nos esforços para fazer valer a Constituição de 2013 que teria sido uma conquista do MDC quando participou no governo de unidade nacional.
Entre o primeiro e o segundo debate os bispos católicos de Zimbábue publicaram uma carta pastoral repudiando a violência do governo. O documento critica veementemente o governo de Emerson Mnangagwa, denunciando o colapso econômico, a pobreza crescente, a insegurança alimentar, a corrupção e o abuso de direitos humanos: “O medo desce pela espinha dorsal de muita gente”.
Nela, surge um argumento que nenhum dos três debatedores mencionou: a virada capitalista do país: “O Zimbábue está se movendo rapidamente na direção do capitalismo, pensando que este trará inúmeros benefícios para o nosso povo. Temos que andar com cuidado, como nos lembra o Papa Francisco.” E segue a crítica que o papa dirige não ao capitalismo, em si, mas às “teorias que presumem que o crescimento econômico, encorajado pelo mercado livre, conseguirá inevitavelmente promover maior justiça e inclusão no mundo”.
A reação do governo foi rápida e raivosa. A ministra de Informação, Publicidade e Serviços de Difusão, Monica Mutsvangwa reclamou da carta pastoral, falando sobre a “liderança mal orientada da mente malévola do arcebispo de Harare” e chamando os bispos de “genocidas”.
Como a carta faz referência à impunidade no caso do massacre de gukurahundi, Mutsvangwa acusou o arcebispo Robert Ndlovu, que pertence ao grupo étnico minoritário Ndebele, de “soprar as chamas da psicose de vitimização tribal” e semear “pecados de culpa coletiva” entre a maioria Shona. Ela comparou o arcebispo a Athanase Seromba, um sacerdote ruandês condenado por crimes contra a humanidade ao facilitar a matança de tutsis durante o genocídio de 1994: “Ndlovu está avançando lentamente no sentido de levar a congregação católica de Zimbábue para as catacumbas mais escuras de um genocídio tipo Ruanda”.
No furor causado pela carta episcopal, começou o segundo debate, cujos participantes foram Thandekile Moyo, escritora e ativista de direitos humanos, Alex Magaisa, um dos autores da Constituição de 2013, inveterado crítico do governo de Mnangagwa e atualmente professor de direito na Universidade de Kent (Inglaterra), Jestina Mukoko, diretora do Projeto Zimbabuano de Paz (Zimbabwe Peace Project, ZPP), ONG que documenta abusos de direitos humanos, e Doug Coltart, filho de David, advogado.
Os mesmos temas surgiram, inevitavelmente, nesse segundo debate, sobretudo a natureza do governo de Mnangagwa e os caminhos possíveis para a oposição. Sobre o primeiro ponto, Magaisa foi até além de Biti, argumentando que são mesmo os militares que comandam o governo e que, sem eles, o próprio ZANU-PF poderia simplesmente implodir.
Segundo webinar #zimbabwelivesmatter
Na opinião dele, a situação tende a piorar. O parlamento humildemente carimba todas as decisões do Executivo e, agora, o Judiciário parece fazer a mesma coisa. Citou o caso do juiz que, recentemente, proibiu a Beatrice Mtetwa continuar a representar seu cliente Hopewell Chin‘ono. “Pelo menos, no passado, você poderia correr para a Justiça em busca de proteção. Nem isso mais. A vida de um dissidente é muito difícil.”
Sobre os caminhos possíveis, Justina Mukoko trouxe a sua pesquisa sobre gukurahundi, cujos perpetradores continuam impunes, para descartar a probabilidade de ajuda internacional. Magaisa duvidou da eficácia dos partidos e recorreu à história para lembrar que, desde o regime de apartheid de Ian Smith, governos sucessivos têm tido a maior facilidade em impedir o desenvolvimento de quaisquer partidos de oposição por meio de leis draconianos e proscrições totais.
Junto com os demais membros do debate, Magaisa apostou na mídia social. Diante da pergunta de como envolver mais pessoas brancas, Doug Coltart observou que o lançamento de #zimbabwelivesmatter teria criado a possibilidade de uma participação de todas as pessoas preocupadas.
Mapa histórico da partilha colonial na África
Uma mensagem eletrônica de um amigo do Zimbábue que também assistiu ao primeiro debate, terminava com as palavras: “Love from Salisbury”. Desse jeito, ele traçou um paralelo entre os eventos recentes na capital do Zimbábue e o passado colonial, quando Harare se chamava Salisbury.
Em 1890, quando chegou a Coluna Pioneira ao território que seria chamado de Rodésia em homenagem a Cecil John Rhodes, chefe da Companhia Britânica da África do Sul, os primeiros colonizadores abriram a bandeira britânica sobre Fort Salisbury, homenagem ao então Ministro de Negócios Estrangeiros da Grã-Bretanha. A colônia nasceu, então, de uma aliança explicita entre o governo britânico e a maior companhia de mineração de ouro e diamantes, cuja força policial se tornou a polícia da nova colônia, a British South Africa Company Police.
Nos anos de 1964-66, quando fiz a minha pesquisa de campo na então Rodésia do governo de Smith, mais temida que a polícia era apenas a Organização Central de Informação (CIO) – que, como o resto da infraestrutura da repressão colonial, tanto software como hardware, perdura até o presente. Ela operava – e, imagino, continua operando – por meio de redes infinitas de informantes felizes de ganhar alguns centavos ao denunciar seus desafetos.
O encontro diabólico, e a alimentação mútua, entre a repressão estatal e as infinitas inimizades locais, característica bem reconhecida de regimes autoritários em geral, é um aspecto do problema que os analistas preferem ignorar. Mas, na minha opinião, é literalmente a base do problema. É assim que o medo se multiplica.
E é por isso, penso, que Tsitsi teme que a grande massa da população não tenha aderido à narrativa do Estado democrático de direito, seguindo dominada pela narrativa da sobrevivência dos mais fortes e violentos. Pelo medo. Por isso, também, que ela, narradora exímia, acredita que apenas uma nova “narrativa” resolverá o problema.
Começo a entender porque os palestrantes, que se sentem tão desamparados e vulneráveis, têm tanto interesse em sensibilizar a comunidade internacional de direitos humanos, mas sobretudo a União Africana e seu atual chairman, também presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, que David Coltart quer acreditar que seja “o verdadeiro herdeiro de Nelson Mandela”.
Nelson Mandela teve a visão e coragem de se encontrar com o então presidente da África do Sul, F. W. de Klerk, para forjar uma nova “narrativa” para a África do Sul, até com sua própria grife de “Rainbow Nation” (nação do arco-íris). Junto com o estabelecimento da Comissão de Verdade e Reconciliação, foi possível acabar de vez com o apartheid e, sem qualquer violência, inaugurar um país democrático.
Robert Mugabe não teve a mesma generosidade nem a visão que Mandela teria dez anos mais tarde. Apenas inverteu o antagonismo racial, substituindo retoricamente os “Western Christian Civilized Standards” (padrões ocidentais e cristãos civilizados) de Ian Smith pela sua “Cultura Africana”. Manteve o sistema estatal de repressão totalmente intacto, recusando qualquer responsabilização pelos crimes cometidos por ambos os lados durante a guerra de libertação e conduzindo um reino de terror contra os seus inimigos. Penso que Tsitsi Dangaremgba imagina uma ruptura deste passado violento no presente, uma verdadeira reviravolta cultural, quando fala em narrativa.
Nelson Mandela, presidente da África do Sul e Robert Mugabe, ditador do Zimbábue. Enquanto o primeiro lutou por toda a vida para destruir as estruturas coloniais racistas, o segundo se utilizou delas para se perpetuar no poder
Como meus artigos escritos na ocasião da derrocada de Mugabe e da eleição de 2018 foram um tanto pessimistas, adicionei, no final deles, as palavras de Judith Todd que votou esperançosamente em Mnangagwa. Judith também presenciou o primeiro debate. Por isso, pedi para que ela escrevesse sobre seus sentimentos atuais. Eis a resposta:
Caro Peter
Sobre o debate. Fiquei sentada sentindo medo pelos três debatedores, e concordando totalmente com Biti que estamos agora num lugar muito perigoso – comprovado ontem pelo ataque contra os bispos católicos.
Aos autores da “nova dispensação” [Mnangagwa et cia.], eu dei o benefício da dúvida desde o início e fui, de fato, esperançosa. David Coltart e provavelmente Biti, não tenho certeza, não tiveram tais ilusões.
Naquele momento da saída de Mugabe parecia que havia tanta boa vontade, inclusive por parte de muita gente como o atualmente encarcerado Hopewell Chin’ono. Nunca me encontrei com ele, mas ele telefonou para se apresentar. […] Ele estava pensando na possibilidade de desenvolver um programa de treinamento e financiamento para a Corporação Zimbabuana de Radiodifusão (ZBC) através de organizações como a BBC onde tivemos amigos em comum. Perguntou se eu ajudaria e eu disse que sim, se possível.
Como resultado, tenho certeza, recebi um telefonema de Monica Mutsvangwa, a ministra que ontem atacou os bispos, perguntando se ela poderia sugerir o meu nome para ser considerado como membro do Conselho da ZBC. Declinei e estou muito contente com isso. Mas você pode ver o estranho desenrolar de eventos com Hopewell agora na prisão e a senhora aparentemente … Bem, não consigo achar a palavra certa.
Agora, toda a boa vontade foi gasta à toa. Não há esperança de que algo positivo possa surgir do ponto de vista dos governantes, com a retirada das sanções ou vultosos investimentos entrando. Assim, não há mais ferramentas sobrando para os opositores poderem se proteger, além de crescente e insana repressão – a não ser, como sempre é possível, algo absolutamente inesperado aconteça. É desse jeito que estamos!
Judith, 15 de agosto de 2020
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