O presidente americano Donald Trump decidiu tratar o Tribunal Penal Internacional (TPI) como ameaça aos interesses nacionais dos EUA. Em meados de junho, emitiu uma ordem executiva que bloqueia ativos de autoridades do TPI e proíbe a entrada deles no país.
Os motivos: uma investigação da corte internacional sobre crimes de guerra cometidos no conflito no Afeganistão e a proposta do promotor-chefe do organismo multilateral de investigar potenciais crimes cometidos por Israel nos territórios palestinos ocupados. O visto da promotora-chefe, Fatou Bensouda, já havia sido revogado em 2019, em retaliação ao inquérito sobre o Afeganistão.
Mike Pompeo, o septuagésimo secretário de Estado dos EUA, esconde crimes de guerra atrás do manto da soberania nacional americana
O secretário de Estado americano Mike Pompeo justificou o gesto dizendo que os EUA não serão “ameaçados por um tribunal desonesto”. Já o Advogado-Geral do governo de Trump, William Barr alegou, sem fornecer qualquer evidência, que “potências estrangeiras, como a Rússia, manipulam o TPI em busca de seus próprios objetivos”. A ordem executiva sanciona não só juízes e promotores engajados em investigações que envolvem os EUA mas, ainda, as que miram atos de “aliados dos EUA”.
Os EUA jamais participaram do TPI.
A corte foi estabelecida em 2002, com base no Estatuto de Roma, de 2000. O governo de Bill Clinton assinou o Estatuto mas não o enviou para ratificação do Senado. O governo de George W. Bush rejeitou aderir ao TPI, a fim de proteger as forças armadas americanas e os órgãos de inteligência encarregados de conduzir a chamada “guerra ao terror”.
Depois, o governo de Barack Obama iniciou cooperação com o órgão, aceitando uma posição de observador. Trump reverteu a decisão de Obama, passando a denunciar o TPI em termos cada vez mais agressivos. Mas a ordem executiva representa uma escalada inédita.
A investigação sobre o Afeganistão recebeu luz verde do TPI no início deste ano. No seu foco, encontram-se potenciais crimes de tortura cometidos pela CIA contra prisioneiros de guerra e diversos crimes de guerra perpetrados tanto pelo governo afegão quanto pelas forças da guerrilha fundamentalista do Talebã. Trump já havia utilizado o perdão presidencial para interromper processos em tribunais americanos contra oficiais e soldados acusados de atos criminosos no Afeganistão. A ofensiva contra o TPI é a confirmação de que vale tudo na interminável guerra afegã.
Forças dos EUA e do governo afegão em combate contra o Talebã, numa guerra sem lei na Ásia Central
A Casa Branca, em comunicado oficial, qualificou a investigação do TPI como um “ataque contra os direitos do povo americano” e uma “violação de nossa soberania nacional”. Confundir crimes de guerra com “direitos do povo” é grave. Pior ainda é buscar refúgio para eles na “soberania nacional”, um argumento repetido à exaustão por regimes ditatoriais para evitar a exposição de suas violações de direitos humanos.
A corte internacional respondeu à ordem executiva recolocando os conceitos no lugar apropriado. “Um ataque ao TPI representa também um ataque aos interesses das vítimas de crimes atrozes, para muitas das quais a Corte é a esperança derradeira de justiça”. Numa declaração paralela, o presidente da Assembleia dos Estados-Partes do TPI, O-Gon Kwon, denunciou a iniciativa de Trump como um gesto destinado a “enfraquecer nossa missão comum de combater a impunidade e assegurar a punição por massivas atrocidades”.
Fatou Bensouda, promotora-chefe do TPI, tornou-se alvo de sanções americanas. O inimigo de Trump são os direitos humanos
As reações surgiram também das nações europeias. Josep Borrell, Alto Representante da União Europeia para Relações Exteriores qualificou a ordem executiva como fonte de “séria preocupação” e o governo holandês solicitou que os EUA desistam da imposição de sanções.
Ninguém disse, porém, algo fundamental. A proteção ativa concedida pelo governo americano a suspeitos de crimes de guerra e crimes contra a humanidade é uma traição aos valores que impulsionaram os EUA a ocupar a linha de frente na criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
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