Esta é a terceira parte do dossiê sobre a história da imigração nos Estados Unidos, dividido em cinco partes: 1 – País de colonos ou país de imigrantes?; 2 – “O perigo amarelo”; 3 – Os mexicanos; 4 – A Era dos Direitos Humanos; 5 – Guerra às drogas e ao terror global.
A história da imigração mexicana para os Estados Unidos não segue o padrão dos demais ciclos imigratórios, porque ela é repleta de excepcionalidades. Em primeiro lugar porque México e EUA compartilham uma extensa fronteira e, para o imigrante, suas raízes, sua família e casa, estão logo ali. É diferente daqueles que cruzaram oceanos para nunca mais voltarem. Em segundo lugar, foram os colonos vindos dos Estados Unidos os invasores do território mexicano, não o contrário. A ocupação do Texas e a guerra contra o México iniciada em 1845 e encerrada pelo Tratado Guadalupe-Hidalgo, em fevereiro de 1848, deu aos EUA o controle das terras à direita das margens dos rios Grande e Bravo – o equivalente à metade do território mexicano e onde viviam uns cem mil mexicanos de origem indígena.
De acordo com o tratado, os mexicanos ali residentes poderiam permanecer se quisessem e seriam aceitos como cidadãos plenos dos Estados Unidos. De fato, apenas um quarto deles partiu, mas isso não significou ruptura, pois o deslocamento de mexicanos entre os dois países continuou a existir, fosse por vínculos de parentesco ou trabalho. A fronteira aberta permitiu aos trabalhadores mexicanos se integrarem organicamente à paisagem rural do sul dos Estados Unidos como mão de obra sazonal, especialmente após a Guerra Civil e a abolição da escravidão, em 1865.
Assim como ocorreu com os asiáticos, que começaram chineses e terminaram “amarelos”, também os mexicanos foram submetidos às lentes raciais e transformados em “hispânicos” – essa suposta “raça” que só existe no censo dos EUA. Paralelamente, ao longo do século XX, a relação com esses trabalhadores sazonais passou a sofrer com as oscilações econômicas e com a crescente xenofobia. Aos poucos, os mexicanos foram transformados em “ilegais” e associados à criminalidade; hoje, pode-se vencer a eleição presidencial no país acionando essa tecla discriminatória e nativista.
A fronteira inicial entre EUA e México, no século XIX
A descoberta do ouro na Califórnia, em 1848, coincidiu com a incorporação desse território aos Estados Unidos, dando início ao Gold Rush, a corrida do ouro, responsável por levar milhares de novos habitantes para a costa oeste. Os mexicanos podiam ser encontrados nas minas e oficinas como trabalhadores especializados. Com o rápido esgotamento das minas, a imigração mexicana diminuiu significativamente.
Fonte: Universidade Autônoma do México
Nesse período, eram os trabalhadores chineses que forneciam a mão de obra barata na região, até serem proibidos de entrar no país, em 1882. Foi então que os mexicanos passaram a ser contratados para trabalhar nas fazendas, da Califórnia ao Texas. Data desse período o surgimento dos primeiros intermediários dessa mão de obra, recrutada nos interiores do México a baixíssimos salários e conduzida através das fronteiras até seus pontos de destino.
Com a instalação do porfiriato no México – o regime conduzido pelo presidente Porfírio Díaz (1876-1911) – intensificou-se a emigração rumo ao norte. Isso porque o país experimentou a modernização característica dos países latino-americanos à época da Segunda Revolução Industrial, ou seja, a entrada de capital estrangeiro no campo conduziu à concentração fundiária, à proletarização do campesinato e ao êxodo rural.
Como esses mexicanos retornavam periodicamente para casa, assim como voltavam outras tantas vezes para trabalhar, não eram classificados como imigrantes, mas como trabalhadores temporários. Nessa época foram criadas taxas sobre trabalhadores imigrantes para desestimular sua vinda (especialmente chineses), mas elas não se aplicavam aos mexicanos, sobre os quais cobrava-se valores mínimos. Sem contar os que simplesmente entravam e saiam sem serem registrados.
Esse fluxo relativamente livre evidencia que, até o final do século XIX, não havia uma política de controle efetivo ou aparatos burocráticos e policiais destinados a resguardar as fronteiras secas dos Estados Unidos. As primeiras ações estatais miravam os portos, por onde chegavam anualmente milhares de imigrantes vindos da Europa e da China.
No início do século XX, massas de mexicanos cruzaram a fronteira empurrados tanto pela agitação decorrente da Revolução Mexicana, entre 1910 e 1917, quanto pelo envolvimento dos EUA na Primeira Guerra Mundial, como grande abastecedor dos mercados europeus. Houve um aumento de 440% no número de mexicanos chegando aos EUA entre 1911 e 1920, perfazendo mais de 219 mil trabalhadores regularizados. Cerca de 20% desses imigrantes avançaram até o norte, alcançando cidades industriais como Chicago. E, certamente, havia um número oculto ainda maior.
A velha economia agrária sulista dependia fortemente da mão de obra barata mexicana. Por isso, os mexicanos foram isentados das Leis de Cotas de 1921 e 1924, responsáveis por restringir violentamente a entrada de estrangeiros nos Estados Unidos. Os trabalhadores temporários mexicanos ofereciam vantagens para os fazendeiros do sudoeste dos EUA, pois deslocavam-se por conta própria e eram responsáveis pelo próprio sustento nas entressafras. Como explicou um produtor da Califórnia sobre o que aconteceria quando a colheita terminasse: “eu os expulsarei (…). Minha obrigação está encerrada. Se eles se recusarem a partir, como alguns costumavam fazer, um simples comunicado às autoridades de imigração garantirá a partida.”
Comumente, os mexicanos se instalavam nos subúrbios das cidades após o final das colheitas, formando os barrios, os subúrbios onde o espanhol era a língua geral. Nesses modelos de moradia precária, as pessoas tentavam sobreviver nas entressafras. Os agricultores apreciavam esse arranjo porque os mexicanos permaneciam na área, disponíveis para as próximas colheitas, sem que os fazendeiros tivessem que arcar novamente com os custos de recrutamento.
Na década de 1920, 460 mil mexicanos trabalhavam legalmente nos Estados Unidos, até que o crash da Bolsa de Nova York interrompeu esse fluxo. Nesse período, tanto a imprensa quanto as autoridades começaram a tratar negativamente os imigrantes mexicanos, acusando-os de “roubar” o trabalho dos americanos desempregados. Os trabalhadores sindicalizados da AFL (American Federation of Labor) compartilhavam o diagnóstico. Assim, em 1929, graças a um acordo entre agricultores sulistas e nativistas chegou-se a um consenso, expresso na Seção 1325, uma lei que, pela primeira vez, criminalizava a travessia da fronteira sem autorização.
A partir dela, os imigrantes mexicanos deveriam pagar uma taxa de ingresso, realizar alguns testes e se submeter a situações humilhantes como ser lavado com querosene para fins de desinfecção e combate aos piolhos. Para zelar pelo cumprimento da nova ordem, o governo federal reforçou a estrutura e os poderes da Patrulha de Fronteira. Até 1936, cerca de 44 mil mexicanos foram deportados, com base na Seção 1325.
Deportação de mexicanos em San Antonio (Texas), início da década de 1930
O Serviço de Imigração e Naturalização (INS) classificava indivíduos como sendo mexicanos com base em três elementos: a proximidade da fronteira com o México, características físicas “facilmente identificáveis” e residência nos barrios, formados pelas comunidades mexicanas nos subúrbios do meio-oeste.
Valendo-se novamente da autonomia legislativa, o estado da Califórnia criou suas próprias leis para deportar mexicanos – incluindo aqueles nascidos nos EUA – a pretexto de preservar para os trabalhadores brancos os empregos e recursos escassos que estavam sendo “desviados” para os estrangeiros. As ações se davam como raids policiais em locais de trabalho, moradia, ou em abordagens de rua que, sumariamente, arrastavam as pessoas e as levavam até a fronteira. Estudos atuais falam em quase dois milhões de mexicanos deportados, incluindo um vasto número de cidadãos americanos de ascendência mexicana.
Desde o final do século XIX, quando as portas se fecharam para os chineses, muitos deles conseguiram entrar nos EUA cruzando a fronteira com o México. Mesmo assim, exceto por medidas isoladas de autoridades locais, não havia lei proibindo essa travessia. Foi com a Revolução Mexicana e a Primeira Guerra Mundial que tanto a elite sulista quanto os políticos em Washington passaram a se preocupar com o ingresso no país de pessoas portadoras de perigosas ideias socialistas.
O invasor da fronteira é Pancho Villa, visto como um revolucionário tão perigoso quanto Emiliano Zapata, líder da Revolução Mexicana
A Lei de Imigração de 1917 respondia, em parte, a essas preocupações de “segurança”, inaugurando as políticas nacionais de controle sobre as fronteiras secas com o México e o Canadá. Começavam a surgir regras e definições de competências para o controle dessas passagens, incluindo o famoso exame médico de admissão já realizado nos portos.
Em maio de 1924, as lei de cotas para imigração também criaram a Patrulha de Fronteira, uma força policial destinada à repressão da imigração não autorizada. Essa instituição ganharia poderes cada vez mais discricionários com o tempo, colecionando inúmeros casos de abusos de autoridade e violência contra imigrantes presos tentando cruzarem a fronteira. Entre os agentes da Patrulha encontravam-se ex-cowboys, operários e pequenos fazendeiros, a maioria jovem, com experiência militar e, importante, muitos associados à Ku Klux Klan.
Os nativistas, não conseguindo incluir os mexicanos nas cotas de imigração, resolveram controlar a Patrulha de Fronteira. Para eles, pouco importava os interesses econômicos dos fazendeiros do Texas, Arizona ou Califórnia. O essencial era zelar pela “nação branca”. Por intermédio da Patrulha de Fronteira, os nativistas começaram a desenhar um novo inimigo racial: o hispânico. De certa forma, o novo elemento rompia a polaridade brancos-negros existente no país, especialmente nos estados sulistas. Estatisticamente, brancos e negros foram menos reprimidos pela Patrulha, que se concentrava nos hispânicos.
Com o início da Segunda Guerra Mundial, a economia dos Estados Unidos voltou a crescer, abrindo-se novamente as portas para os trabalhadores mexicanos. Mas foi também o estado de guerra o responsável por reintroduzir a discussão sobre a segurança das fronteiras. A pressão frente à chegada de novas ondas de imigrantes levou à racionalização das demandas pelo governo, que estabeleceu dois tipos de vistos: um para trabalhadores temporários; outro para solicitantes de residência permanente.
Para regularizar a burocracia da entrada desses trabalhadores, agilizando o processo, os governos do México e dos EUA assinaram contratos coletivos de trabalho. Assim nasceu o Programa Bracero, em 1942, quando os EUA engajaram-se no conflito mundial. Para o público interno restricionista, o programa foi apresentado como uma medida de emergência econômica destinada a garantir a produção agrícola e a evitar picos de inflação.
O acordo protegia o governo americano de ser responsabilizado pelas acusações de super exploração feitas contra fazendeiros sulistas, que se valiam da presença ilegal dos empregados para tratá-los quase como escravos. A fim de superar essas questões, o acordo bilateral previa a responsabilidade dos contratantes sobre os custos de transporte, alimentação e moradia, nada disso podendo ser debitado do salário do contratado.
Para Manuel Ávila Camacho, presidente do México, o acordo era prova de que o governo do Partido Revolucionário Institucional (PRI), o partido hegemônico, protegia os migrantes sazonais mexicanos da superexploração no poderoso vizinho. No fundo, porém, era um reconhecimento implícito de que a economia do país era incapaz de empregá-los – e precisava das rendas em dólares auferidas por eles.
Registro de trabalhadores mexicanos no Programa Bracero
Os braceros foram empregados em 24 estados dos EUA, , mas a maior parte deles se concentrava na Califórnia. Eles trabalhavam em cultivos de algodão, frutas cítricas e outros produtos agrícolas, mas também foi significativo o emprego na operação das redes ferroviárias. Apesar das garantias contratuais formais, muitos mexicanos denunciaram as más condições de trabalho e sustento a que eram submetidos. Ainda hoje correm na justiça mexicana processos movidos por antigos braceros contra seus empregadores, por valores não pagos.
Elaborado como um plano de emergência de guerra, o Bracero estava previsto para durar até 1945. No entanto, a conveniência do acordo e a ainda mais antiga dependência dessa mão de obra sazonal oriunda do México levaram à renovação periódica do Programa até 1964, quando foi definitivamente encerrado. Durante seus 22 anos de existência, 209 mil trabalhadores mexicanos entraram nos EUA a cada ano, sem falar dos indocumentados.
“O Programa Bracero era controverso em sua época. Cidadãos mexicanos, desesperados por trabalho, estavam dispostos a aceitar trabalhos árduos com salários desprezados pela maioria dos americanos. Os trabalhadores rurais que já moravam nos Estados Unidos temiam que os braceros competissem por empregos e salários mais baixos. Em teoria, o Programa Bracero tinha salvaguardas para proteger trabalhadores mexicanos e domésticos, por exemplo, pagamento garantido de pelo menos o salário predominante na região recebido por trabalhadores nativos; emprego por três quartos do período do contrato; habitação adequada, sanitária e gratuita; refeições decentes a preços razoáveis; seguro ocupacional às custas do empregador e transporte gratuito de volta ao México no final do contrato. Os empregadores deveriam contratar braceros apenas em áreas com escassez de mão de obra doméstica certificada, e não deveriam usá-los como quebradores de greves. Na prática, eles ignoraram muitas dessas regras e os trabalhadores mexicanos e nativos sofreram, enquanto os produtores se beneficiavam de mão de obra abundante e barata. Entre a década de 1940 e meados da década de 1950, os salários rurais caíram acentuadamente em relação aos salários da manufatura, em parte pelo volume de imigrantes temporários, braceros e outros tantos sem documentos, que careciam de direitos na sociedade americana.” (Bracero History Archive)
Por sua natureza inicialmente livre, a circulação de pessoas através das fronteiras seguia infinitos caminhos. A história que contamos aqui, da regulação legal desses espaços em consonância com a consolidação dos Estados Nacionais, mostra como a teia de controle foi sendo tecida, sem jamais se fechar completamente (de onde a ideia atual de fechar a fronteira com um muro gigante). Isso significa que para cada período abordado, os números são os oficiais, os legais, mas há um contingente ainda maior de pessoas não registradas, os indocumentados, que não podemos perder de vista.
A temível Patrulha de Fronteira
Os estudiosos do tema estimam que a proporção é de dois para um entre os que passam e os que são pegos pela Patrulha de Fronteira. Em 1941, 6 mil pessoas foram presas tentando fazer a travessia; em 1944, 29 mil; em 1948, 293 mil; em 1954, 885 mil tentaram passar sem autorização. Isso indica que, apenas em 1954, cerca de 1,7 milhão de pessoas conseguiram cruzar a fronteira irregularmente.
O mercado ilegal logo identificou na travessia uma fonte de renda bastante lucrativa. Os atravessadores, conhecidos como coiotes – um canino do deserto – tornaram-se parte expressiva da cadeia da imigração indocumentada para os Estados Unidos. Com o tempo, a lucratividade tornou-se razão de disputas e aumento da violência entre as gangues. Por isso, quanto maiores os recursos de que dispõe a Patrulha de Fronteira, mais arriscado e mais lucrativo se torna o mercado para os coiotes – que atualmente não hesitam matar seus clientes em pleno deserto, se pressentirem algum risco.
Encerrada a Segunda Guerra Mundial, milhares de cidadãos americanos voltaram para casa e para o mercado de trabalho. Mais uma vez os estrangeiros foram hostilizados como concorrentes desleais, que aceitavam ganhar menos por estarem em condição irregular no país. A eleição do general Dwight Eisenhower para a presidência, em 1952, reacendeu o espírito chauvinista típico dos anos 1920 e transformou os trabalhadores mexicanos em símbolos do inimigo interno a ser vigiado. Eram os tempos da Guerra Fria – e o país mergulhava na paranoia da segurança nacional.
Sobre esse pano de fundo, o governo federal lançou o Programa Wetback, “costas molhadas”, uma referência pejorativa aos que burlavam a fiscalização cruzando a fronteira pelo rio. A intenção era deportar os indocumentados. A maneira como o programa era apresentado reforçava a ideia de que todo mexicano era ilegal; implicitamente, mexicanos viveriam à margem da lei. Esse clima hostil deixava os imigrantes mexicanos, regularizados ou não, ainda mais vulneráveis perante os agentes públicos. Tornaram-se frequentes, com patrocínios dos estados e condados, a organização de “batidas” em locais de trabalho e uma maior fiscalização das fronteiras. As novas medidas de repressão conduziram um milhão de pessoas à deportação, enquanto outro meio milhão partiu por conta própria.
César Chavez, americano de origem mexicana, fundou em 1962 um dos primeiros sindicatos dos trabalhadores rurais, a União dos Trabalhadores das Fazendas (United Farm Workers Union)
O Programa Wetback também fiscalizava os patrões enquadrando-os em um novo enfoque: a acusação de concorrência desleal no mercado, por empregarem mão de obra precária. Mas a dependência econômica desse subemprego rural era muito grande para ser eliminada e a maioria dos fazendeiros seguiu contratando “ilegais”. Valia o risco frente a um sistema de fiscalização que, não raro, era conivente com os contratantes. Já os empregados não contavam com nenhuma rede de proteção e, pelo contrário, eram permanentemente ameaçados de serem denunciados a um policial de imigração, como represália a qualquer esboço de reação.
Nos anos 1960, quando americanos de origem mexicana começaram a organizar os trabalhadores rurais e a denunciar as condições degradantes e insalubres a que grande parte estava submetida, a reação foi pesada, com aparatos de polícia e justiça servindo mais aos interesses dos empregadores do que às leis. A deportação em larga escala, sempre politicamente evitada em nome da safra, só era célere quando os mexicanos e seus descendentes tentavam se organizar para lutar por direitos trabalhistas.
Em um país que nunca deixou de pensar e governar em termos raciais, mexicanos, guatemaltecos, porto-riquenhos, venezuelanos e demais hispano-falantes foram englobados sob o rótulo “hispânicos” – ou seja, latinos e católicos de língua espanhola – que hoje é aplicado também a brasileiros. Gente pouco escolarizada, indolente, venal, corrupta, crédula – o estereótipo é completo.
No período final da Guerra Fria, lentamente, o inimigo da nação começou a ser transmutado do comunista para hispânico. Marcados com o selo da ilegalidade, da informalidade, da clandestinidade, os hispânicos viviam em ambientes sociais abandonados pelos poderes públicos, propícios à contravenção e aos crimes, onde o negócio do tráfico de drogas ganhava volume com a expansão de consumo dos anos 1970, não raro dividindo espaços nas periferias com os negros. As violentas disputas entre gangues de blacks e latinos se tornaram um fundo de história comum em filmes e tema de um dos famosos clipes de Michael Jackson nos anos 1980.
Esse novo olhar intolerante foi explicitado em 1977, pelo então presidente Jimmy Carter, ao solicitar ao Congresso uma reforma da lei de imigração: “Nesta última década, o problema de estrangeiros sem documentos ou estrangeiros ilegais ou trabalhadores sem documentos tornou-se cada vez mais grave. Agora, ele compreende um total de literalmente milhões de pessoas que entraram em nosso país contra a lei e que ainda estão nos Estados Unidos. (…) Somente no ano passado, 875 mil trabalhadores indocumentados foram detidos pelos funcionários da imigração, e as estimativas são de que apenas um em cada três que entram em nosso país é realmente pego.”
A reforma da lei, todavia, só aconteceu quase uma década depois, sob a presidência de Ronald Reagan. O presidente, cuja vida política esteve ligada à Califórnia, onde chegou a ser governador, simplesmente reconheceu os fatos: “A distância não desencorajou a imigração ilegal de todo o mundo para os Estados Unidos. O problema da imigração ilegal não deve, portanto, ser visto como um problema entre os Estados Unidos e seus vizinhos. Nosso objetivo é apenas estabelecer um sistema de imigração razoável, justo, ordenado e seguro para este país e não discriminar de forma alguma contra nações ou pessoas em particular.”
A Lei de Reforma e Controle da Imigração (Immigration Reform and Control Act – IRCA) foi aprovada em 1986. Dessa vez, o governo responsabilizava o empregador por estimular a ilegalidade ao contratar tal mão de obra. A nova lei instituía um formulário (I-9) a ser preenchido e mantido pelos empregadores, transformados em controladores de documentos. O descumprimento da lei seria punido por ação de responsabilidade civil e até criminal, como imposição de multas em dinheiro ou prisão. O empregado que aceitasse trabalhar sem haver se submetido a essa verificação poderia ter seu contrato de trabalho rescindido, sem nenhuma garantia de pagamento. O Serviço de Imigração e Naturalização (INS) era o responsável pela implementação da lei.
Em contrapartida ao endurecimento da fiscalização, o IRCA foi o primeiro programa de legalização de imigrantes em larga escala na história dos EUA, tendo regularizado a situação de dois terços dos 5 milhões de residentes não autorizados. A lei se erguia sobre o tripé controle da fronteira/regularização do trabalho temporário/regularização da permanência, a fim de permitir que parte dos imigrantes obtivessem status legal e mesmo a cidadania.
Mas um dos problemas decisivos é que o Serviço de Imigração e Naturalização atuou debilmente na fiscalização dos contratos de trabalho, dando margem a uma quantidade imensa de fraudes. Além disso, muitos empregadores evitaram a fiscalização direta a partir da utilização de terceirizados. Por fim, os quase 2 milhões que permaneceram indocumentados multiplicaram-se com o passar do tempo, especialmente na boa fase dos anos 1990, quando muitos latinos vindos de diferentes países da América entraram pela fronteira com o México. Em 2007, a população não autorizada dos EUA já estava na casa de 12 milhões de pessoas.
De lá para cá, a questão da imigração mexicana, hispânica, latino-americana passou a ser tratada sob outro enfoque – o da ameaça, como veremos na 5ª parte desse dossiê.
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