“No futuro, não queremos permanecer no parlamento como um grupo periférico, um pequeno partido de oposição”. A sentença de Frauke Petry, líder do Alternativa para a Alemanha (AfD), na abertura de sua conferência nacional, dias atrás, evidencia as grandes expectativas do partido de extrema-direita. Fundado há apenas três anos, o AfD já obteve quase 5% dos votos nas eleições regionais de março e perto de um quarto no estado oriental da Saxônia-Anhalt. Ainda é um “pequeno partido de oposição”, mas sua consolidação projeta sobre a Alemanha a sombra de um fenômeno pan-europeu: o crescimento da família de partidos ultranacionalistas que contestam a União Europeia (UE).
Na Suíça, que não faz parte da UE, o Partido do Povo Suíço (SVP) alcançou 29% dos sufrágios nas eleições gerais de 2015, tornando-se a maior bancada parlamentar e colocando dois representantes no Conselho Federal (Executivo). Sob o influxo do SVP, referendos populares aprovaram a proibição de construção de minaretes em mesquitas e a expulsão de “criminosos estrangeiros”. Na Áustria, em abril, o candidato do Partido da Liberdade ultrapassou 36% dos votos no turno inicial das eleições presidenciais, passando em primeiro lugar ao turno decisivo, que se realizará logo mais. O poder de Estado também não é uma miragem distante para o Partido do Povo da Dinamarca, que obteve 21% dos votos nas eleições de 2015, ou para o húngaro Jobbik, que alcançou votação similar em 2014 e conquistou a terceira maior bancada parlamentar.
A família da extrema-direita abrange partidos médios, como o finlandês The Finns, o Democratas Suecos e o Partido da Liberdade holandês, além de organizações menores, como o Nossa Eslováquia, os neonazistas gregos do Aurora Dourada e os semi-separatistas italianos da Liga do Norte. Contudo, seus destaques encontram-se em duas das principais potências europeias: a Frente Nacional francesa e o Ukip (Partido da Independência do Reino Unido). Marine Le Pen, líder da Frente Nacional, transferiu seu partido das margens para o centro da política francesa, convertendo-se em candidata viável para a disputa presidencial do ano que vem. Nigel Farage, que conduziu seu Ukip a um inesperado triunfo nas eleições europeias de 2014 (27% dos votos) e ao terceiro lugar nas eleições nacionais de 2015 (13% dos votos), agora mobiliza o eleitorado xenófobo na campanha pela retirada britânica da UE (Brexit, ou British exit).
São partidos diferentes, mas compartilham um núcleo ideológico básico, ancorado no conceito romântico da “nação de sangue” que inspirou os fascismos. Farage incomoda-se com os “vizinhos romenos” que imigraram segundo as regras da livre circulação de indivíduos no espaço europeu. Le Pen alerta contra uma “invasão muçulmana” da França. O AfD almeja banir da cena alemã o que denomina “símbolos de poder islâmicos”: o véu, os minaretes e o chamado às orações. Para essa família de partidos, a nação não é um contrato político, mas uma comunhão étnica e cultural enraizada no passado distante. A xenofobia e a aversão ao Islã são traços comuns a todos esses partidos. Muitos deles agregam à fórmula o antissemitismo.
As crises sucessivas do euro e dos refugiados propiciaram a ascensão da extrema-direita. Desses eventos, seus arautos extraíram um diagnóstico falso, mas persuasivo: os estrangeiros são culpados pelos impasses econômicos e dilemas sociais das nações europeias. Os ultranacionalistas são radicalmente contrários ao projeto supranacional europeu e, mais extensamente, à globalização. São, ainda, tão antiamericanos quanto a anacrônica esquerda na América Latina. De modo geral, a família da extrema-direita europeia enxerga na figura do russo Vladimir Putin alguma coisa entre um heroi, um modelo e um aliado tático.
O verão boreal, associado ao iminente colapso da trégua na guerra síria, traz a promessa de novas ondas de refugiados – e, com elas, de reaquecimento do discurso xenófobo. O vento de cauda alimenta as esperanças da Frente Nacional francesa e, sobretudo, fornece munição aos defensores do Brexit. O referendo britânico, em 23 de junho, é um salto no escuro do primeiro-ministro conservador David Cameron, que aposta derrotar os “eurocéticos” abrigados em seu próprio partido e no Ukip. As sondagens indicam divisão quase exata do eleitorado, com escassa vantagem para a permanência. Na hipótese de triunfo da saída britânica, o ultranacionalismo festejaria a derrocada de um pilar lateral do castelo europeu.
As paredes dos corredores que levam ao plenário do edifício do Reichstag, em Berlim, estão pontilhados não só por marcas de projetéis de artilharia mas, também, por grafites produzidos pelos jovens soldados soviéticos nos dias seguintes ao 30 de abril de 1945. São frases celebratórias do triunfo na guerra e imprecações antigermânicas, escritas com madeira carbonizada e giz vermelho ou azul. Quando, na hora da reunificação, em 1990, o Parlamento alemão retomou seu lugar no antigo edifício, uma controvérsia sobre o destino dos grafites foi resolvida pela decisão de conservá-los, a fim de perenizar a memória da catástrofe nacional. Na Alemanha, durante muito tempo, o extremismo neonazista ficou confinado a bandos de arruaceiros. O AfD não é, nem de longe, um partido neonazista, mas pertence à tradição ultranacionalista. Sua irrupção abre uma fenda na muralha política do núcleo da Europa.
As inscrições preservadas nos corredores do Reichstag são uma singularidade na paisagem das capitais. No lugar das clássicas narrativas identitárias heróicas, a Alemanha escolheu conviver com a sua tragédia, que foi uma tragédia europeia. A política de Angela Merkel para os refugiados é uma homenagem a essa opção, ditada pela memória do mal. A conferência do AfD, pelo contrário, representa uma revolta contra a memória do mal. Frauke Petry quer esquecer: aí está o perigo.
Inscrições feitas por soldados soviéticos, em 1945, em paredes do Reichstag
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