Na Romênia, uma reviravolta eleitoral trouxe más notícias para os adeptos dos movimentos de extrema-direita baseados no nacional-populismo. Nas eleições presidenciais, o candidato da direita nacionalista, George Simion, que se declara trumpista e é contra a ajuda militar à Ucrânia, havia largado na dianteira no primeiro turno mas acabou derrotado pelo centrista Nicusor Dan.
O matemático Nicusor Dan, novo presidente da Romênia
A eleição de Dan mostra que a maioria da população da Romênia escolheu o candidato que se mantém alinhado com a União Europeia, da qual o país faz parte desde 2007. Dessa vez, as eleições em um país do leste europeu terminaram de modo surpreendente, afastando-se do modelo de Viktor Orbán, da Hungria, que há mais de uma década figura como exemplo do nacionalismo autoritário.
A derrota do candidato de direita foi um revés também para os interesses russos. Localizada às margens do Mar Negro, a Romênia faz fronteira com a Ucrânia e, segundo o Acnur (Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados), abrigava mais de 180 mil refugiados ucranianos em abril de 2025. Desde o início da invasão russa à Ucrânia, em fevereiro de 2022, até o final do ano passado, a Romênia ofertou um bilhão de euros em ajuda militar bilateral ao país invadido. A ajuda alinha-se às decisões da União Europeia, contra o expansionismo da Rússia de Putin.
Com Donald Trump na Casa Branca, o autocrata russo conseguiu um aliado para enfraquecer a União Europeia e, principalmente, a OTAN, a aliança militar ocidental da qual a Romênia faz parte desde 2004 e que representa um freio ao expansionismo russo. O novo presidente, ex-prefeito da capital, Bucareste, afirmou que um eventual triunfo de George Simion deslocaria a Romênia para a órbita de uma “internacional reacionária”. É um revés para Putin e Trump.
A derrota de Simion é mais uma resposta das forças políticas de centro à onda do nacional-populismo no mundo. Primeiro, no Canadá, em abril, com a vitória do Partido Liberal, e agora na Romênia.
O nacionalismo é um dos principais ingredientes do populismo de direita que se espalha pela Europa e pelos Estados Unidos. A ideia central é de que o “povo”, determinado pelo “sangue” e pela “língua”, deve se contrapor à “elite cosmopolita e globalista”.
A Romênia tornou-se Estado independente na metade do século XIX, como desdobramento dos acordos da Guerra da Criméia (1850-1853). Entre o império ortodoxo russo e o império turco-otomano, o nacionalismo romeno organizou-se em torno de sua alegada origem latina e do cristianismo ortodoxo.
Sendo também terra do povo roma/sindi (ciganos) e de uma vigorosa comunidade judaica, os nacionalistas apelaram ao antissemitismo popular para gerar coesão política e social. Na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o regime fascista e pró-Eixo do general Ion Antonescu (1941-1944) aliou-se à Alemanha nazista para atacar e anexar áreas ocupadas por minorias de romenos na Moldávia (ex-Bessarábia) e Ucrânia. Ao mesmo tempo, as forças romenas foram cúmplices ativas no Holocausto.
A retórica ultranacionalista de George Simion retorna a esse ponto, ignora as atuais fronteiras e se projeta sobre as minorias romenas que habitam terras da Moldávia e Ucrânia. Como Putin faz em relação aos russófonos na Ucrânia, o político romeno invoca a “defesa das minorias nacionais” como ingrediente do discurso nacionalista, propagado pelos megafones das redes sociais. Em 2019, Simion fundou a Aliança pela Unidade dos Romenos (AUR, de ouro), alegando “direitos históricos” aos territórios de seus vizinhos.
Durante a disputa do segundo turno, Simion insistiu que a Ucrânia estaria oprimindo culturalmente a minoria romanófona, que perfaz cerca de 327 mil falantes de romeno, de acordo com o último censo demográfico ucraniano, de 2001.
Após ser derrotado, o candidato acusou o governo moldavo, assim como o francês, de “ingerência estrangeira”. A retórica conspiracionista agrada Putin, pois a presidente moldava, Maia Sandu, posiciona-se a favor da Ucrânia face à agressão russa. Pouco antes da votação do segundo turno, o dono do Telegram, o russo Pavel Durov, compartilhou a teoria conspiratória de Simion sobre o suposto complô franco-moldavo para manipular as eleições.
As eleições presidenciais romenas ocorreram no cenário da pior crise política do país desde o fim do regime comunista, em 1989. Em novembro de 2024, o primeiro turno do pleito foi anulado pela Suprema Corte por suspeita de ingerência russa via manipulação cibernética. Mas o uso de redes sociais é um dos trunfos da direita nacionalista na Romênia. O candidato mais votado no primeiro turno, Calin Georgescu, um fenômeno na rede social TikTok, foi declarado inelegível.
Elon Musk, proprietário do X (ex-Twitter) e aliado de Trump, declarou solidariedade a Georgescu após a anulação do pleito presidencial. Na mesma linha, o vice de Trump, JD Vance, acusou a União Europeia de atentado à democracia romena em seu discurso perante o Fórum de Segurança de Munique, em fevereiro.
O candidato derrotado, George Simion
Foi assim que George Simion tornou-se candidato. Ele, outro fenômeno de extremista promovido pelas redes sociais, tornou-se conhecido no Facebook durante a pandemia da Covid-19 principalmente pela postura antivacina. Depois, aproximou-se do MAGA, o movimento trumpista, e de figuras como a primeira-ministra italiana Giorgia Meloni, repetindo as fórmulas do nacionalismo xenófobo.
As redes sociais conectaram Simion aos mais jovens e à vasta diáspora romena na Europa, principalmente na Itália, onde somam mais de um milhão de pessoas. A maioria dos emigrantes deixou um país em situação de penúria no fim do século passado, após o fim do regime de partido único e uma transição para a economia de mercado eivada de corrupção.
Essa memória do desamparo vivido na Romênia natal e o ressentimento face à marginalização social experimentada nos países mais ricos desaguou no forte apelo do discurso nacionalista de Simion em meio à diáspora. Não por acaso, o candidato da direita nacionalista conseguiu 60% dos votos dos eleitores que vivem fora do país no segundo turno. Já para o eleitorado local, seu discurso tem o apelo anti-establishment à la Trump, e se volta contra um país marcado por pesadas continuidades.
Na Guerra Fria (1947-1989), a Romênia fazia parte do bloco oriental, mas desviou-se da hegemonia soviética com o regime de Nicolae Ceaușescu (1965-1989), mesclando o comunismo ao nacionalismo anti-soviético. Irredutível sobre reformas, o ditador foi julgado e executado sumariamente em 25 de dezembro de 1989, em meio às revoluções democráticas no Leste Europeu. Aparentemente, o regime havia sido derrotado, mas o continuísmo foi garantido pela manutenção da mesma elite política que antes integrava o Partido Comunista, renomeado Partido Social-Democrata (PSD).
O PSD manteve-se um partido hegemônico e lidera, desde a eleição legislativa de 2024, a coalizão parlamentar que sustenta o apoio militar à Ucrânia, tornando-se alvo das críticas de Simion. Contudo, o discurso anti-Ucrânia contribuiu decisivamente para a sua derrota: ao tentar mobilizar o nacionalismo romeno num sentido antiocidental, Simion provocou contra si mesmo o sentimento anti-russo no país.
Ele também gerou desconfiança com suas declarações: “Nós estamos totalmente de acordo com a ideologia MAGA” e “somos um partido trumpista, que fará da Romênia um parceiro forte e um aliado estreito dos Estados Unidos no seio da OTAN”. Não faz sentido, dado que Trump quer descomprometer os Estados Unidos em relação à segurança da Europa, rompendo com aquilo que é a própria razão da existência da aliança militar transatlântica. O eleitorado romeno parece ter percebido a gritante contradição.
A vitória do centrista Dan frustra as ambições de Putin, Trump e Orbán, mas é um alento para a Ucrânia, onde as explosões detonadas pela Rússia já puderam ser escutadas do lado romeno da fronteira. Agora, pelo estrondo das urnas, a Romênia gera danos colaterais para o nacional-populismo na América do Norte e na Europa.
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