Na segunda metade do século XIX, a industrialização na Europa provocou a corrida imperialista e a dominação de vastas partes do território africano. Britânicos, franceses, belgas e alemães avançaram para áreas desconhecidas sobre as quais Portugal reivindicava direitos históricos por antiguidade de ocupação.
Fonte: René Pelissier, História das campanhas de Angola (1845-1941), vol.2 (apêndice de mapas)
Na Conferência de Berlim (1884), as potências industriais europeias fizeram a “partilha” da África e Portugal manteve o controle sobre territórios muito além de seu efetivo poder; seu trunfo era exatamente não representar ameaça aos demais Estados. O fato é que esses acordos europeus estabeleceram as bases territorias para a organização de futuros Estados centralizados, mas apenas como instituição administrativa, pois as populações estavam divididas por etnias, línguas, status.
A ideia de que faziam o bem e salvavam seres pagãos do infortúnio de serem escravizados por comerciantes inescrupulosos esteve na origem do impulso missionário cristão que penetrou o continente africano. As igrejas protestantes, em suas distintas denominações, foram muito ativas na ação educacional e, ao mesmo tempo em que ensinavam a Bíblia, impunham uma nova cultura e o abandono das tradições e crenças locais.
Os protestantes eram, de fato, inimigos do escravismo e protegiam como podiam as comunidades onde se instalavam. Essas missões ajudaram a formar parte dos setores letrados dessas sociedades, de onde mais tarde sairiam lideranças políticas e sindicais.
Sede da Sociedade Geográfica de Lisboa (1931). Um grande público interessado em notícias “do Império” frequentava esse espaço para ouvir palestras e admirar exposições
Assim como a Igreja Católica e seu clero eram aliados fundamentais da monarquia portuguesa, os protestantes mantinham vínculos com os governos de seus países e sua presença pioneira muitas vezes serviu de pretexto para reivindicações territoriais. Em Angola, essa disputa religiosa por áreas de influência aparece claramente no sul e estava relacionada ao avanço britânico e alemão.
Além dos religiosos, outro tipo de gente interessada na África eram os estudiosos da natureza, exploradores, aventureiros, muitos com histórias que terminaram tragicamente, outros se tornando heróis em seu tempo. O surgimento de novos equipamentos científicos, a teoria evolucionista de Charles Darwin, os interesses na abertura de novos mercados para a economia europeia ajudaram a patrocinar sociedades geográficas em todos os países interessados em “difundir a civilização”. Elas estimularam, financiaram e divulgaram as viagens para territórios desconhecidos dos europeus.
Na história da ocupação portuguesa em Angola, o mais conhecido dos exploradores foi Serpa Pinto, mas existiram muitos outros. Antes dos doutores, mercadores se embrenhavam por rios e trilhas e estabeleciam relações cordiais com as populações que encontravam e com as quais negociavam. Foi o caso do português Antônio Ferreira da Silva Porto (1817-1890), que viveu no Rio de Janeiro e Salvador, no Brasil, antes de partir definitivamente para Angola, onde fez a vida e acabou se tornando uma espécie de agente informal do governo português.
Monumento a Silva Porto na cidade de Cuíto, na província angolana de Bié
Silva Porto foi pioneiro na “descoberta” do alto curso do rio Zambeze e do caminho que conduzia ao litoral de Moçambique, no Índico, onde chegou em 1864. Ele soube construir relações com os chefes dos reinos por onde passou e com os mercadores muçulmanos que o levaram consigo numa caravana e lhe mostraram o caminho.
Fazia anotações sobre suas viagens, foi um perspicaz observador etnográfico e geográfico e um dos primeiros a alertar o governo português sobre a presença de brancos não portugueses nos grotões da África tropical, incluindo o famoso missionário, médico e explorador britânico David Livingstone.
O sertanista compreendeu que os equipamentos científicos e as ambições geográficas daqueles forasteiros ajudariam a conhecer e, principalmente, a dominar aquelas terras. Escreveu ao governo português solicitando o envio de equipamentos para que ele realizasse explorações no curso do rio Zambeze.
Foi, inicialmente, ignorado. Até que os interesses de conquistas começaram a falar alto nos círculos diplomáticos europeus e a elite portuguesa entendeu que havia um verdadeiro risco. Em 1875 foi criada a Sociedade Geográfica de Lisboa (SGL), a verdadeira responsável pelo novo ímpeto colonialista português. A SGL organizou viagens de exploração geográfica e científica nas bacias dos rios Congo e Zambeze, a leste, e dos rios Cuanza e Cuango, a nordeste.
Fonte: Sa, Lucilene (2011). Histórica cartografia histórica da África
Foi então que apareceu Alexandre de Serpa Pinto, que reconhecidamente seguiu os passos de Silva Porto rumo ao Zambeze mas acabou atingindo o litoral Índico na altura de Pretória e, depois, Durban, na África do Sul. Militares e cientistas viajaram entre 1877 e 1885 com o objetivo de demonstrar que Portugal dominava uma larga faixa terras que se estendia do Atlântico ao Índico. Exposta em mapa, os portugueses pintaram de cor de rosa a área sobre a qual invocavam “direitos históricos”. O “mapa cor-de-rosa” era a síntese das ambições portuguesas no continente.
Para conter o avanço da França em direção ao rio Congo, o Reino Unido assinou o Tratado Anglo-Português, em 1884, reconhecendo a soberania portuguesa sobre o estuário do Congo. Protestos generalizados partiram de Paris, Bruxelas e Berlim e as potências se reuniram para discutir as reinvindicações de cada uma.
A Conferência de Berlim, entre novembro de 1884 e fevereiro de 1885, definiu regras para a reivindicação de direitos territoriais em solo africano. Seria preciso demonstrar que a região estava, de fato, ocupada por bases colonizadoras. Essa decisão acelerou a chamada “corrida pela África”, quando as potências europeias e o pequeno Portugal trataram de estabelecer bases de ocupação e exploração econômica em todo o continente.
Fonte: Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Colecção de Mapas e Planos)
O “mapa cor de rosa” foi apresentado, mas não aceito. Ainda assim, garantiu a Portugal o domínio sobre Angola e Moçambique, com áreas muito maiores do que as controladas efetivamente, como parte das terras dos povos luba e lunda, a nordeste, e os planaltos e savanas orientais. Já a bacia do Zambeze, uma das mais importantes do continente, ficou com o Reino Unido, dividida em três colônias, as Rodésia do Norte e do Sul e a Niassalândia (atuais Zâmbia, Zimbábue e Malawi).
As fronteiras de Angola excluíram o baixo curso do rio Congo. A foz, onde Diogo Cão havia aportado séculos antes, ficou com o Estado Livre do Congo, como queria o rei belga Leopoldo II. Portugal conseguiu manter o controle sobre a região de Cabinda, ao norte da foz, apesar de perder a ligação terrestre daquela área com Angola.
Ao norte de Cabinda foi criado o Congo Francês, que se estendia para o interior até encontrar a margem direita do rio Congo, onde anos antes o explorador Pierre Brazza havia fundado um assentamento (Brazaville). Na margem oposta, os belgas os vigiavam a partir da vila de Kinshasa.
A concorrência obrigou o Estado português a lutar pelo domínio de Angola, enquanto aumentava entre os reinos africanos a resistência à penetração europeia. De acordo com o historiador René Pélissier, entre 1879 e 1926 o Estado português esteve envolvido em guerras pelo dobro do tempo registrado entre 1848 e 1878. Foram mais de 150 campanhas e ações militares. Especialmente entre 1902 a 1920, o exército esteve permanentemente ocupado em marchas, combates e razzias.
Entre avanços e recuos, a conquista seguia em ritmo lento e apenas fortalezas e presídios isolados marcavam a presença portuguesa. No começo do século XX alguns governadores gerais destacaram-se por imprimir uma visão estratégica às suas ações. Foram os casos de Paiva Couceiro (1907-1909) e Norton de Matos (1912-1915, 1921-1923).
Comissão para delimitação da fronteira entre Angola e Congo Belga, dividindo as terras do reino Lunda
Entre as muitas medidas tomadas por ambos, destacam-se o direcionamento da conquista para a exploração das principais bacias hidrográficas, feita por Paiva Couceiro, e o confisco de armas particulares e a proibição de negociá-las, de Norton de Matos, que buscava afirmar a soberania portuguesa sobre todos os povos em território angolano.
Os ovimbundos dominavam o planalto central e eram antigos aliados dos portugueses, atuando como intermediários do comércio entre o interior e a costa. A chegada de missionários protestantes em algumas localidades ajudou a formar uma elite comercial alfabetizada, vista com desconfiança pelos agentes portugueses, que os encaravam como uma ameaça territorial.
Assegurar o controle sobre o planalto central tornou-se imprescindível para garantir a circulação das caravanas, numa época em que os preços da borracha atingiam valores excepcionais. Instalou-se uma situação de guerra prolongada, mas as divisões internas entre os reinos ovimbundos foram enfraquecendo a resistência e os portugueses conseguiram se impor no início do século XX. O poder colonial tratou de preservar diversas instituições locais, ajudando a forjar entre os ovimbundos e ovimbundizados a percepção de uma identidade étnica.
Avançando pelo “corredor do Cuanza”, em terras conhecidas desde os tempos da rainha Jinga, os portugueses tiveram que lutar para controlar os reinos de Matamba e Cassange, especialmente entre 1840 e 1860. Vitoriosos, construíram o Forte de Malanje em 1862 para marcar sua presença.
Entre os rios Dande e Bengo havia uma organização política peculiar denominada Dembo, da qual faziam parte vários dembos (algo como uma aliança de cidades-Estados). Bem organizados, os dembos dificultavam o avanço português rumo ao império Lunda, onde o mercado de escravos de guerra e de marfim era intenso. Os Dembos só foram vencidos em 1907, após uma prolongada guerra.
Foto rara, de Carlos Ladeira, registra o encontro de Henrique Carvalho e o Xa Madiamba, uma liderança lunda. O vasto material etnográfico, linguístico e histórico deixado por Carvalho é objeto de trabalho de estudiosos e escritores
Muito antes, o explorador Henrique Dias de Carvalho havia organizado, com apoio da SGL, uma expedição às terras lunda entre 1884 e 1887. Ele assinou acordos de protetorado com as autoridades locais, em nome da coroa lusa. Também nesse caso, um outro sertanejo, Joaquim Rodrigues Graça, havia chegado primeiro (1846) e deixado notas sobre o caminho a seguir, aproveitadas por Carvalho e sua equipe.
Em 1896 Lunda foi transformada em província e Henrique de Carvalho tornou-se seu primeiro administrador. A hegemonia portuguesa foi facilitada pelo avanço do reino quioco, da etnia chôkwe, que vinha confrontando o império lunda fazia algum tempo. Contudo, os acordos entre Portugal e o Congo Belga simplesmente dividiram o domínio sobre a terra e o povo lunda, ignorando as realidades étnicas e culturais.
Finalmente Portugal encontraria os minérios preciosos tão sonhados desde o início da colonização: as terras lunda guardavam riquíssimas minas de diamantes.
Novas operações militares entre 1906 e 1913 levaram ao rio Casai e ao extremo-leste, na região de Moxico, declarada província apenas em 1918. Muito isolada, apenas em 1933 a vila de Moxico recebeu seus primeiros missionários, mais ou menos junto com a chegada da ferrovia ligando-a às vilas de Bié e Katanga.
Ao sul de Angola encontra-se a Namíbia, país contido entre dois desertos, o Namibe, que se estende por todo o litoral e era avistado pelos navegadores portugueses desde o século XV, e o deserto do Kalahari, a partir do qual ruma-se para o norte-nordeste até encontrar os rios Cubango e Cunene. Até o início do século XIX apenas dois pontos da costa eram frequentados por navegadores: Walvis Bay (Baía das Baleias) e a ilha dos Pinguins, ambos cobiçados pelos britânicos.
No século XVII, partindo de Moçamedes, os portugueses subiram a serra da Chela e chegaram ao planalto da Huíla marcando sua presença com a construção do Forte Alba Nova (1682). Expedições ao sul revelaram o curso do rio Cunene, que desagua no litoral. A exploração da região privilegiava os cursos desses rios, de fácil navegação, enquanto estabelecia-se um posto mais avançado, em Caconda, que posteriormente abrigou uma grande missão católica portuguesa.
A conquista da Colônia do Cabo pelos britânicos, no extremo sul da África e seu avanço para o norte levou o governo português a criar um conselho (similar às câmaras municipais no Brasil) para a região de Huíla, em 1850, o que significa que a região estava sendo incorporada nos planos político e administrativo.
Hermenegildo Capelo e Roberto Yvens também exploraram a bacia do rio Zambeze
Em 1884, a Conferência de Berlim entregou à Alemanha o controle sobre as terras ao sul do Cunene, apontado pelos portugueses como divisa. A colônia alemã foi nomeada Sudoeste Africano, mas os povos herero, coissã, damara e ovambo, alguns dos quais ocupando terras que se estendiam ao norte do Cunene, desconheciam os novos nomes e os limites criados pelos europeus.
Uma das viagens patrocinadas pela SGL levou os exploradores Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens às áreas da bacia do Cubango e o rio Cunene, onde encontraram algumas dezenas de colonos vindos de Moçamedes em busca de novas possibilidades. Mas a presença que cada vez mais se destacava era a dos boeres, protestantes de origem holandesa e francesa que viviam na Colônia do Cabo desde o século XVII e estavam migrando para o interior para escapar ao domínio britânico.
Na década de 1870, Moçâmedes estava tão abandonada que as autoridades locais decidiram convidar um grupo de famílias boeres para se instalar no planalto de Huíla, ajudando a ampliar o povoamento e as redes de trocas. Quase 300 bôeres, com suas grandes carroças, ferramentas e gado se instalaram na colônia de São Januário da Humpata, em pleno território ovambo.
Empenhado em promover a colonização do sul de Angola, o governo português lançou uma série de campanhas oferecendo incentivos às famílias que emigrassem. Não encontrando resposta, decidiu-se pela exploração da miséria que reinava na ilha da Madeira, onde sobravam braços e faltavam terras. Promoveu-se assim uma grande migração de madeirenses para a região.
Em 1901, o distrito de Moçâmedes foi desmembrado, dando origem ao distrito da Huíla, com capital no povoado de Lubango, elevada à categoria de vila.
O avanço português desencadeou uma forte resposta dos ovambos, que impuseram uma guerra prolongada e que, no início do século XX, concentrava todo os esforços militares e só foi vencida em 1918.
No chamado “desastre de Vau de Pembe”, em um único dia de 1904, 310 soldados portugueses, 10% das forças coloniais em Angola, foram mortos pelos ovambos, provocando um trauma nacional
Quando a Primeira Guerra Mundial começou, em 1914, tropas alemãs invadiram as terras do Cubango-Cunene, matando portugueses e nativos. Portugal resistiu às investidas e, quando guerra terminou, as colônias alemãs foram postas sob controle britânico.
Na região da Humpata a colaboração militar dos boeres foi fundamental em várias campanhas. Mas o fato é que eles nunca foram realmente aceitos pelas autoridades laicas e eclesiásticas portuguesas, que tendiam a vê-los com desconfiança por serem protestantes. Por isso, a maioria dos boeres decidiu retornar para a então chamada União Sul Africana, de domínio britânico, no final dos anos 1920.
Marcados como defensores da escravidão e, portanto, atrasados e cruéis, os portugueses eram vistos pelos estrangeiros como protecionistas e corruptos. Por volta de 1900 ainda saíam embarcações clandestinas dos portos de Benguela e Amboim levando pessoas escravizadas de Angola para São Tomé. Também não ajudava o fato de um significativo número de colonos ser formada por homens condenados ao degredo.
Com a proclamação da República, em 1910, chegaram as reformas liberais e a abertura aos investimentos estrangeiros. Vieram as primeiras empresas de transporte e comunicação. Luanda, Benguela, Novo Redondo e Moçâmedes foram conectadas por cabo submarino. Inaugurou-se uma linha de vapores entre as cidades do litoral e foi criada uma empresa de navegação para operar no corredor Luanda-Cuanza.
Surgiu nessa época o maior dos símbolos da modernização industrial europeia: a abertura de linhas férreas, para ligar o interior ao litoral exportador. A ferrovia de Luanda seguia em paralelo ao rio Cuanza; a de Benguela, para o nordeste, atingindo a fronteira com o Congo Belga em 1931; a linha de Moçâmedes a Lubango (Huíla), inaugurada em 1923, assegurou o povoamento e a defesa do sul de Angola.
A chegada das ferrovias consolidou os eixos de desenvolvimento econômico em curso
No início do século XX, 70% das exportações angolanas provinham do setor de borracha. O produto, escoado principalmente pelo porto de Benguela, tornou a cidade mais rica do que Luanda por algum tempo, até que a intensificação da guerra contra os ovimbundos atingiu diretamente essa atividade.
A descoberta dos diamantes em território lunda levou à criação da Companhia de Diamantes de Angola (Diamang), inaugurada em 1917 com grandes investimentos belgas e britânicos e recebendo a concessão sobre vastas áreas onde a empresa passou a exercer poder absoluto. Nas décadas seguintes, a Diamang se tornaria o maior sugadouro de riquezas de Angola, a começar pela mão de obra super explorada.
Naquele período, intensificou-se a exploração das populações angolanas, submetidas a trabalho compulsório e deslocadas territorialmente em função de interesses econômicos na agricultura, mineração, pesca e, claro, ao longo dos novos eixos de transporte.
Em 1899 foi instituído o “Regulamento do trabalho indígena”, que admitia o emprego de “trabalho forçado”. Por outro lado, esses deslocamentos de mão de obra para diferentes partes de Angola começaram a aproximar povos e costumes até então estranhos entre si, ao mesmo tempo em que eram inseridos, como classe super-explorada, no universo dos homens brancos.
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