Roberta Metsola, presidente do Parlamento Europeu, anuncia os agraciados com o Prêmio Sakharov 2024, em 24 de outubro
O Prêmio Sakharov de 2024 foi para María Corina Machado e Edmundo González, dois líderes perseguidos da oposição venezuelano que derrotou o ditador Nicolás Maduro nas urnas, em 28 de julho. Lançado em 1988 pelo Parlamento Europeu, o prêmio homenageia pessoas e organizações engajadas na defesa da democracia e dos direitos humanos. No ano passado, a vencedora foi a jovem iraniana Mahsa Amini, assassinada sob custódia policial.
“Este é um prêmio fundamentalmente para esses homens e mulheres que hoje estão sendo perseguidos, que tiveram que deixar seu país, que estão separados de suas famílias, que estão escondidos”, declarou Corina Machado, de um esconderijo na Venezuela. São dezenas de milhares de perseguidos políticos, célebres ou anônimos, num país devastado política e socialmente cuja diáspora soma cerca de 7,7 milhões.
González, o vitorioso na eleição presidencial de julho, hoje exilado na Espanha, destacou a “solidariedade dos povos da Europa com o povo venezuelano em sua luta pela recuperação da democracia”. Não mencionou, por fortes razões, a solidariedade do Brasil. O governo brasileiro, um dos patrocinadores do acordo que propiciou a eleição, jamais condenou a fraude eleitoral e a selvagem repressão do regime venezuelano.
Ironicamente, no momento em que o Parlamento Europeu anunciava os vencedores do Prêmio Sakharov, Maduro encontrava-se em Kazan (Rússia) para participar da cúpula do BRICS+ à qual não fora convidado. No seu movimento de expansão, o grupo resolveu abrir suas portas a treze “parceiros”, entre os quais não estão Venezuela e Nicarágua, vetados pelo Brasil. Mesmo assim, graças aos bons ofícios do anfitrião, Vladimir Putin, o autocrata venezuelano discursou perante os demais líderes.
Putin presenteia Maduro com um livro em homenagem a Hugo Chávez, pai-fundador do regime venezuelano
O veto brasileiro parece uma tardia reação à fraude eleitoral escancarada promovida pela ditadura de Maduro. De fato, foi um gesto motivado por razões de política doméstica e de prestígio.
No plano interno, eleitoral, a proximidade do presidente brasileiro Lula da Silva com o governo da Venezuela tornou-se um elemento tóxico, erodindo sua popularidade e a de seu partido, o PT. Além disso, havia a necessidade de oferecer alguma resposta aos seguidos insultos emanados de figuras do círculo próximo de Maduro. Duas semanas antes da cúpula do BRICS+, Tarek Saab, chefe do Ministério Público da Venezuela, o burocrata que manda encarcerar opositores, qualificara Lula da Silva como “agente da CIA”.
Saab falava “personalíssimamente”, declarou um porta-voz do regime de Maduro. Na prática, obviamente, falava em nome do próprio ditador. Encurralada pela fragorosa derrota nas urnas, a ditadura fecha-se na concha da repressão e, amparando-se nos apoios diplomáticos de Rússia, China, Cuba e Irã, radicaliza a retórica contra os governos de esquerda que resistem a reconhecer o “triunfo” eleitoral de Maduro.
É ingratidão, num grau extremo. Lula da Silva reabilitou diplomaticamente o ditador venezuelano ao recepcioná-lo, em Brasília, em maio de 2023, com honras de chefe de Estado. Depois, recusou-se a apontar a fraude eleitoral, desviando-se da atitude do governo de esquerda chileno de Gabriel Boric. No lugar disso, em postura cada vez mais patética, continuou a solicitar a exibição das atas eleitorais mesmo depois que o regime venezuelano proibiu sua divulgação.
Maduro e Lula, em Brasília, em maio de 2023: o encontro da reabilitação
O sapo sempre pula. Há pouco, em 11 de outubro, o Brasil absteve-se da votação no Conselho de Direitos Humanos da ONU que renovou o mandato de uma missão de investigação na Venezuela. Mas o regime de Maduro quer sempre mais: exige que o governo brasileiro dobre a espinha até o fim, ignorando as razões político-eleitorais da hesitação de Lula da Silva.
O veto brasileiro ao ingresso no BRICS+ “constitui uma agressão contra a Venezuela e um gesto hostil”, reagiu a ditadura venezuelana em nota oficial. Segundo o texto, o ingresso acabará acontecendo, pois “nenhum estratagema ou manobra concebida contra a Venezuela interromperá o curso da história”. A profecia provavelmente está correta: “curso da história” significa, no caso, a vontade de Putin e do chinês Xi Jinping, que dão as cartas no grupo.
Na sua ampliação, o BRICS tornou-se algo como uma coleção de autocracias reunidas à sombra da China e da Rússia. Para regimes ditatoriais, o ingresso como parceiro no BRICS+ não implica custos ou compromissos – e oferece uma rede diplomática conveniente. Daí a irritação venezuelana com o veto provisório brasileiro.
No dia seguinte ao anúncio da premiação de Corina Machado e González, encontrou-se na ponte que liga Apure a Táchira, no oeste venezuelano, perto da fronteira colombiana, o corpo sem vida de Edwin Santos, militante do partido opositor Vontade Popular. Santos havia sido sequestrado, dias antes, por agentes da Direção de Contrainteligência Militar e encontrava-se detido num cárcere do órgão de repressão em Guasdualito.
Corpo de Edwin Santos, em imagem publicada no X por Leopoldo López, líder exilado do Vontade Popular
A ONG de defesa dos direitos humanos Provea denunciou “uma possível execução extrajudicial”. Corina Machado pediu a aplicação da justiça internacional perante os “crimes contra a humanidade” cometidos pela ditadura chavista. Santos, que participou do comando de campanha de González, não é um caso isolado. Em 2018, Fernando Albán, do partido opositor Primeiro Justiça, também foi assassinado sob custódia.
Imediatamente, o regime alegou que Santos não estava detido e morreu num acidente de motocicleta. Contudo, sua detenção foi confirmada por diversas testemunhas. González não caiu na conversa das autoridades: “A Venezuela quer e precisa da verdade”, declarou, exigindo uma investigação independente.
Já o Brasil nada exige. Nos dias seguintes à fraude eleitoral, Celso Amorim, assessor especial de Lula da Silva enviado à Venezuela, esclareceu que não se reuniria com Corina Machado. Frente à repressão selvagem desencadeada pelo regime, o governo brasileiro recusou-se a promover um encontro com os líderes opositores, o que aumentaria os custos diplomáticos da repressão.
O Prêmio Sakharov simboliza um compromisso do Parlamento Europeu com os direitos humanos. Ao mesmo tempo, ilumina a covardia de um governo brasileiro sempre inclinado diante de “ditaduras companheiras”.
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