Angola é um país da costa ocidental africana banhado pelo oceano Atlântico. Angola e Brasil encaram-se de frente e são, ambos, resultado do processo de expansão ultramarina europeia iniciado no século XV pelo reino de Portugal. O “rio Atlântico”, do qual falava o diplomata-historiador Alberto da Costa e Silva, ligou nossas terras e gentes.
A matriz europeia trouxe aos dois países a construção de uma “história nacional” que busca alinhavar povos, línguas, culturas e histórias distintas entre si, numa narrativa cronológica destinada a explicar as fronteiras que desenham seus os territórios desses Estados Nação concebidos no século XIX. Nessa história, o protagonista é o colonizador, que impõe uma organização política e social de novo tipo, distinta das existentes junto às populações encontradas.
Existe uma ampla bibliografia disponível hoje sobre cada grupo étnico ou político com os quais os portugueses se relacionaram. É importante marcar a permanente resistência oposta pelos africanos a esses avanços, na prática mantendo a presença portuguesa bastante restrita à faixa costeira.
Em 2025, Angola comemora os 50 anos de sua existência como Estado independente de Portugal. Celebrando a data, preparamos uma história de Angola dividida em cinco partes, a serem publicadas nas próximas semanas. Contaremos um pouco da história dessa nação-irmã, cujos milhares de mulheres, crianças e homens escravizados e trazidos à força para o Brasil contribuíram de forma decisiva para a nossa formação enquanto povo, sociedade e cultura.
Parte 1: A chegada dos portugueses na África
Parte 2: O fim do tráfico e o recuo português
Parte 3: Territórios e fronteiras
Parte 4: O despertar do nacionalismo e a guerra de independência
Parte 5: Angola, Estado Nacional
Isolados do contato com o “mundo do Mediterrâneo” pelo deserto do Saara, os povos da África subsaariana começaram a ser conhecidos a partir da expansão muçulmana pelo norte da África, nos séculos VII e VIII. Essas terras próximas ao Mar Mediterrâneo, que séculos antes haviam sido parte do Império Romano, eram habitadas pelos beduínos, como são chamados os povos semi-nômades que habitam terras desérticas. Suas rotas de comércio cruzavam o Saara e alcançavam terras distantes, de onde traziam sal e ouro.
A jihad justificava a guerra santa permanente e tanto os movimentos de conversão religiosa quanto a escravização de “infiéis” levaram os muçulmanos para as terras do Sahel e do Níger. O tráfico de escravos foi um importante fator para o avanço do Islã nessas direções. Ao longo de séculos, diferentes reinos se formaram em adesão ou oposição ao Islã.
O reino do Marrocos, que nos séculos XI e XII servira de base para dinastias berberes muçulmanas atravessarem o Estreito de Gibraltar e ocuparem terras ibéricas, tornou-se um território de interesse estratégico para os reinos de Portugal e Espanha a partir do século XV. Por ali passavam caravanas com ouro e sal trazido das terras além do deserto, em direção ao Oriente Médio, irrigando o comércio com o precioso metal.
Essa foi a razão pela qual os portugueses atacaram o entreposto marroquino de Ceuta, em 1415, data que simboliza o início do movimento das “Grandes Navegações”. Na corte de Lisboa, ganhou força o argumento de quem defendia uma ação mais ousada, de navegar até as minas e conquistá-las. E assim sucessivos navegadores portugueses exploraram a costa da África no século XV, culminando com a chegada de Vasco da Gama às Índias, em 1498, e de Pedro Alvares Cabral ao Brasil, em 1500.
Fonte: Atlas da História do Mundo. Times/Folha de São Paulo, 1995.
A Igreja Católica, sócia dos reinos ibéricos na empreitada missionária que inicialmente justificou os esforços financeiros em tal aventura, concedeu bulas papais aos reis de Portugal, repletas de direitos, em nome da conversão dos africanos. Faria o mesmo em relação aos reis de Espanha e a conversão dos ameríndios.
Desde tempos medievais falava-se da existência de um reino cristão em algum lugar da África, o reino do Preste João, onde haveria uma fonte da eterna juventude. Os reis portugueses ansiavam por esse encontro e os navegadores eram orientados a buscar sinais desse lugar. Hoje sabemos que as bases dessa história vieram do nada imaginário reino da Etiópia, cuja conversão remontava aos primeiros tempos do cristianismo.
Foi nesse contexto que o navegador Diogo Cão, dando prosseguimento à exploração da costa ocidental africana, avistou, em 1483, a foz do rio Congo, marcando-o com um padrão.
O relevo montanhoso e as chuvas equatoriais abundantes alimentam uma rica bacia hidrográfica que inclui parte do curso do rio Congo, o segundo maior da África e berço de antigas ocupações humanas. O clima quente e úmido da África ocidental colaborou para a ocorrência de grandes áreas de charco onde as moscas da malária e da doença do sono abundavam. Durante séculos tais enfermidades constituíram obstáculos mortais à fixação dos europeus no continente.
Os povos dessa região ao sul da floresta equatorial praticavam uma agricultura móvel, com rotação de diversos plantios. Dominavam a metalurgia do ferro e do cobre e eram oleiros muito hábeis. Suas vilas costumavam ser cercadas por paliçadas. Nesse ambiente, as populações se concentravam nas áreas mais planas e agricultáveis, como a região de Mayombe, onde se formaram os reinos do Congo e do Loango.
Uma característica da ecologia da África Ocidental é a ocorrência cíclica de longas estiagens, causadoras de grandes fomes e muitas disputas entre as populações atingidas. Durante o período colonial, essas crises impactaram diretamente na intensidade das guerras entre os reinos e na oferta de inimigos escravizados.
O reino do Congo situava-se no que é hoje o norte de Angola e seu centro era a cidade de Mbanza Kongo, renomeada São Salvador após a conversão do Manicongo, o rei. O povo bacongo falava quicongo, uma das línguas do grupo banto. O reino se formou no baixo curso do rio Congo, valendo-se da boa localização em relação a uma extensa rede de trocas que se estendia do litoral ao interior.
Algumas conchas possuíam valor monetário e eram chamadas nzimbu
A organização social seguia critérios matrilineares. Era a partir da descendência das mulheres que os direitos eram estabelecidos. Era comum que o sobrinho sucedesse ao Manicongo e as mulheres também atuavam em posições de liderança.
Uma importante fonte do poder do Manicongo era o domínio exclusivo sobre a extração de uma concha chamada nzimbu, encontrada apenas na ilha de Luanda e utilizada como moeda de troca em toda a região.
Quando pela primeira vez Diogo Cão avançou pela imensa boca do rio Congo, encontrou vilas bastantes povoadas. Fez contato com os locais e deixou alguns de seus homens como garantia de que voltaria, ao mesmo tempo levou alguns membros da nobreza local para Portugal. O navegador retornou dois anos depois e o manicongo Anzinga decidiu se converter ao cristianismo, adotando o nome de João I. E assim o reino do Congo abraçou o catolicismo (pelo menos as famílias mais influentes). O manicongo e sua corte foram oficialmente batizados por um sacerdote em 1491, quando Diogo Cão voltou pela terceira vez trazendo padres e soldados.
A imagem contava a chegada do navegador Diogo Cão ao reino do Congo
O retorno dos portugueses deve ter convencido Anzinga/João I e seus conselheiros da efetiva capacidade técnica e militar dos estrangeiros, que possuíam armas de fogo e, portanto, da vantagem de tê-los como aliados. O advento da pólvora e das armas de fogo, provocou uma verdadeira revolução militar nos séculos XV e XVI. Contra quem? Contra o avanço do Islã, um inimigo mais próximo e mais ameaçador.
Nas primeiras décadas, em solo estranho e em completa minoria, aqueles homens brancos foram fraternais, casaram-se com as mulheres do local, tiveram filhos, enquanto seus reis trocavam cartas de amizade cristã.
Os congoleses levados à Portugal na primeira viagem de Diogo Cão retornaram alfabetizados e cristianizados, dedicando-se a fundar as primeiras escolas. Os alunos pertenciam às famílias mais influentes, cujo poder era mantido pelas alianças com os portugueses, especialmente por meio de casamentos. Um dos príncipes foi nomeado bispo em Roma, em 1518.
O filho e sucessor de João I, Nzinga Nvemba, batizado Afonso I (1506-1543), atuou intensamente para difundir o cristianismo entre os seus e doou terras à Igreja e ao clero para se instalarem no reino. Contudo, a Igreja nunca conseguiu enviar um número adequado de missionários, deixando minguar o entusiasmo com o qual o cristianismo havia sido tão prontamente recebido.
Os reinos vizinhos reconheciam a soberania do reino do Congo pagando-lhe tributos. Entre esses estava o reino do Ndongo, do povo ambundo, falante da língua quimbundo. Também chamado Dongo ou Andongo, esse reino se organizou entre os rios Dande e Cuanza e seu rei atendia pelo título de Ngola.
Fonte: PELISSIER, Réné. História das campanhas de Angola. Resistência e revoltas (1845-1941), Editorial Estampa, Lisboa, 1986.
Apesar de seu poder ser considerado sobrenatural, o Ngola governava com um conselho de chefes. Por meio de um complexo sistema de poligamia e órgãos colegiados garantia-se a aliança entre os clãs. A organização social era de tipo matrilinear, similar ao reino do Congo. A cidade de Cabaça ou Kabasa era o centro do reino.
Ngola ou Angola foi o nome o nome adotado pelos portugueses para designar as terras em solo africano que começavam a tratar como empreendimento colonial. Na mesma época os portugueses passaram a se referir às terras encontradas na América como Brasil, por associação à árvore de madeira vermelha, de alto valor comercial que encontraram.
A iniciativa do contato com os portugueses foi motivada pela intenção de contrabalançar o poder do reino do Congo. Após duas tentativas frustradas, em 1518 e 1560, finalmente em 1571, o comandante Paulo Dias de Novais conseguiu estabelecer uma base territorial no continente.
O impulso definitivo para a implantação de uma economia baseada na captura e escravização de seres humanos ocorreu na época em que Portugal viu ameaçado o seu domínio sobre a Terra brasilis, no início do século XVI. A solução foi estabelecer uma ocupação efetiva, realizada pelas plantations escravistas de cana de açúcar. Os interesses comerciais ligados à mão de obra cativa sustentaram a metrópole portuguesa e fizeram produzir os engenhos de açúcar no nordeste do Brasil.
No final do século XVI foi ficando claro para os manicongos que o interesse português pelo comércio de escravos crescia vertiginosamente, e que se a situação seguisse sem controle haveria efeitos negativos para o reino. A princípio esse comércio era um monopólio real, sobre o qual se pagava uma taxa por cabeça, dando ao manicongo o controle sobre o número de pessoas vendidas. Mas os portugueses e seus agentes não tardaram a encontrar formas mais diretas de ter acesso aos escravos, organizando expedições que se aprofundavam no interior.
“Para evitar o cumprimento dos decretos reais inconvenientes e o pagamento de taxas de exportação no porto congolês de Mpinda, os traficantes de escravos de São Tomé concentraram sua atenção no reino ambundo de Dongo, ao sul do rio Dande. (…) Antes de 1571, a Coroa portuguesa estipulava que os escravos seriam embarcados somente no porto congolês de Mpinda; contudo, a partir de 1520, eles eram despachados em número cada vez maior diretamente da foz do rio Cuanza, em Angola, onde os intermediários que traficavam os que vinham de São Tomé não pagavam direitos de exportação.” (Charles R. Boxer, O Império marítimo português. p.114)
O comércio escravista transformou-se no pilar de um sistema produtivo responsável pelo enriquecimento dos reinos europeus nos três séculos seguintes e por vastas destruições nos interiores da África, causadas pelas guerras de captura.
No reino do Congo, em 1543, a morte do católico Afonso I após um longo reinado provocou uma disputa sucessória que dividiu a sociedade. A desorganização facilitou o avanço de um grupo vindo do leste, da região do Cassange, os Jaga, também nomeados Imbangala.
Descritos como “nômades”, “canibais”, “povo originário da África Central”, existem lacunas no entendimento sobre quem eram os Jaga, exceto que eram guerreiros destemidos e violentos. Eles se tornaram uma força no mercado de escravos durante décadas, obtendo recursos e armas com a venda de seus inimigos derrotados.
Aparentemente não havia um poder hierarquizado culminando em um “rei”, mas grupos diferentes, sob distintas lideranças, o que ajudaria a entender como eles aparecem hora aliados aos portugueses, hora como seus inimigos, assim como agiram em relação ao Congo e Ndongo e outros.
Com a chegada de um novo manicongo, Álvaro I, em 1568, houve um pedido de ajuda ao rei de Portugal, Sebastião I, para enfrentar os ameaçadores Jaga. As tropas portuguesas vieram entre 1571 e 1573 e foram decisivas para garantir a independência do reino do Congo.
Em retribuição, Álvaro I permitiu a instalação de uma feitoria portuguesa na estratégica ilha de Luanda. Portugal recebia o direito de ocupar e administrar um pedacinho da África. A intervenção lusa acabou definitivamente com o tratamento igualitário inicialmente alcançado entre os dois reinos. A partir daí os portugueses adotaram uma atitude cada vez mais impositiva sobre a política local, enquanto mentalmente passavam a olhar para todos os africanos como passíveis de serem escravizados.
Baía de Luanda, vista do Forte de São Miguel
Luanda na época da invasão holandesa
Em 1575, o capitão Dias de Novais desembarcou na ilha de Luanda. Naquele tempo, o tráfico de escravos estava se consolidando e não parava de aumentar, organizado pelos traficantes vindos da ilha de São Tomé, outra base que Portugal havia fincado no Atlântico. No ano seguinte, Dias de Novais decidiu fundar no continente a Vila de São Paulo de Luanda. O local escolhido oferecia à nova povoação um excelente porto natural, protegido pela ilha e com oferta de água potável. A existência de morros – nomeados morro de São Paulo e morro de São Miguel – garantia ótimas condições de defesa.
Na comitiva de Dias de Novais, de 400 soldados e cerca de 100 famílias de colonos, havia sapateiro, alfaiate, pedreiro, além de agricultores e soldados. A adaptação ao clima quente e úmido foi muito penosa e a vila acabou crescendo em direção à montanha, a chamada Cidade Alta, onde foram construídos os principais edifícios destinados à administração civil e religiosa e local de moradia dos ricos, enquanto soldados e mercadores habitavam a Cidade Baixa.
Em 1605, a Vila de São Paulo de Luanda foi elevada à categoria de cidade, passando a contar com uma câmara municipal, ocupada pela elite, majoritariamente mestiça. Em 1627, Luanda se tornou o centro administrativo da colônia portuguesa de Angola. Para defender local tão valioso foram construídas as fortalezas de São Pedro da Barra, concluída em 1618, e São Miguel de Luanda, de 1634. A riqueza ajudou a fazer de Luanda uma cidade com imponentes palácios públicos e privados, uma imensa escola jesuítica e diversas praças e monumentos.
Luanda tornou-se o principal porto exportador de escravos em toda a África. Dali, cerca de 30 mil pessoas escravizadas eram levadas a cada ano para as plantations e minas da América, em sua maioria, ao Brasil.
A vila de Luanda vista Forte, século XVII
“A partir da cidade de Luanda “acompanhando o rio Cuanza, os portugueses conseguiram, nos séculos XVI e XVII, ocupar alguns pontos estratégicos de confluência de rios e caminhos, onde instalaram aldeias fortificadas, que chamavam de presídios e abrigavam um destacamento militar, geralmente bastante modesto, de alguns homens. Nos presídios também moravam alguns comerciantes – portugueses, africanos e mestiços -, que faziam a intermediação entre os nativos e os agentes dos comerciantes portugueses e brasileiros estabelecidos em Luanda (…)” (Marina de Mello e Souza. África e Brasil africano, p. 62)
Na área do rio Cuanza, foram construídos o forte Massangano, em 1582, e o presídio de Cambambe, em 1602. Ao avançarem para o leste, os portugueses voltaram a enfrentar os Jaga, que detinham o controle das rotas para o interior e constituíam uma ameaça aos interesses lusos. Esse é um período de intensa atividade militar marcada por avanços e recuos, durante o qual os portugueses chegaram ao rio Lualaba, no interior profundo da África Central e um dos principais afluentes do rio Congo.
Nesse jogo de alianças, em 1617, os portugueses e seus aliados conquistaram e saquearam a capital do reino do Ndongo, Cabaça, obrigando o Ngola Ambandi a fugir. Em 1621, Ambandi enviou sua irmã Jinga com um imenso séquito até Luanda a fim de propor a paz. Na ocasião, ela se deixou batizar com o nome cristão de Ana de Souza, a fim de ver seus objetivos alcançados.
O impacto que a rainha Jinga causou nos portugueses pode ser atestado por essa cena, representada nos azulejos da Fortaleza de Luanda. Os invasores enfrentaram muitos líderes africanos, mas poucos foram destacados individualmente. Na cena, ao ser recebida para negociar e notar que não havia cadeira na sala para que ela se sentasse e pudesse olhar aqueles homens de igual para igual, ordenou a uma acompanhante de sua comitiva que se ajoelhasse e ficasse como um banco.
Em 1626 Jinga surge como sucessora do irmão. A habilidade de comando militar e estratégico dessa mulher a transformaram num difícil obstáculos ao avanço português. Jinga aliou-se aos Jaga e comandou uma guerra de guerrilha contra o invasor europeu durante 13 anos. Nesses movimentos, conquistou os reinos de Matamba e de Cassange, na área do rio Cuango.
Quando os holandeses invadiram Luanda, em 1640, Jinga juntou-se a eles contra os portugueses, mas logo percebeu que aos novos ocupantes também só interessava o controle sobre o tráfico escravista. Mais velha, a rainha abraçou o catolicismo, adotou o nome de batismo e faleceu em 1663. No fim, os interesses de ganho econômico e político sobrepujaram a resistência interna permanentemente encontradas pelos portugueses e seus agentes.
O reino de Benguela ocupava os vales dos rios Cavaco e Catumbela e seu centro era a vila de Ombaca, sobre a qual foi erguida a Benguela atual. Também aqui o nome derivou do título usado pelos governantes, Mbegela. Por esse reino os portugueses conheceram a etnia ovimbundo, um grupo bastante numeroso, que habitava as terras do interior e seus estratégicos planaltos, organizados em vários reinos.
A ocupação portuguesa desse litoral ao sul de Luanda foi movida pela crescente presença de navios franceses, holandeses e ingleses na região de Benguela, fundeando em portos naturais e tentando estabelecer redes de comércio próprias. Em 1578 uma base portuguesa foi estabelecida e nomeada Benguela Velha, próxima à atual Porto Amboim.
Possivelmente por reflexo do que ocorria no Brasil nesse mesmo período, a coroa portuguesa nutria grandes expectativas sobre a existência de ricas minas de prata e cobre na região, das quais havia indícios, mas que depois se revelaram insignificantes.
Portugal estabeleceu os primeiros acordos comerciais com o reino de Benguela em 1615. Dois anos depois, o governador de Angola, Manuel Cerveira Pereira, acompanhado de uma pequena frota, atacou e conquistou Ombaca, renomeou-a São Felipe de Benguela e ordenou a construção de um forte militar. Benguela Velha foi declarada capitania, tornando-se assim a base administrativa, militar e comercial da coroa ibérica no sul de Angola. Sobretudo, Benguela se tornou o terceiro maior porto de embarque de escravos no Atlântico.
Enquanto isso, no reino do Congo, o manicongo Pedro II enviou uma carta ao governo holandês em 1622 propondo uma aliança contra Portugal na forma de uma ação militar, pela qual o manicongo oferecia “ajuda” em ouro, prata e marfim.
Dom Miguel de Castro, emissário de Angola na República da Holanda (Jaspar Beckx)
A primeira tentativa, dois anos depois, foi frustrada. Em 1630, com nova expedição muito melhor organizada, os holandeses ocuparam Pernambuco, no Brasil, para controlar a produção e distribuição de açúcar. Para obter a força de trabalho, atacaram e ocuparam o litoral de Angola e Benguela em 1641. Dominando o tráfico de escravos e o comércio de açúcar, os lucros seriam fabulosos. Os holandeses aliaram-se ao reino do Congo e à rainha Jinga contra os portugueses a fim de reduzir-lhes as resistências.
Em 1648, quando os portugueses estavam prestes a serem derrotados, uma frota luso-brasileira proveniente do Rio de Janeiro conseguiu reconquistar Luanda e, a partir dessa base, expulsar os holandeses. Seis anos mais tarde, em 1654, as últimas posições holandesas no Brasil foram retomadas com a ajuda dos ingleses, dos quais o reino de Portugal se tornaria cada vez mais dependente.
Em 1671 o reino de Angola foi definitivamente anexado pela coroa lusitana – mas apenas no papel, pois na prática era aos interesses dos mercadores brasileiros que a elite angolana estaria associada pelos próximos quase dois séculos.
“De cerca de 1580 a 1680, período que ficou conhecido como das guerras angolanas, foram travadas guerras entre exércitos africanos capitaneados por portugueses contra exércitos africanos capitaneados por chefes locais que se opunham à presença dos portugueses em seus territórios.” (África e Brasil africano, p.63)
Na raiz desses conflitos, os portugueses e seus agentes, geralmente mestiços, foram buscar nos mercados distantes da costa mais e mais pessoas capturadas nas redes dos conflitos gerados pela crescente demanda por mão de obra escrava para trabalhar nos latifúndios e minas em toda a América.
Sem esquecer que holandeses, franceses, ingleses, todos buscaram explorar o mais lucrativo dos negócios e foram à Angola com esse propósito, estabelecendo relações com as autoridades locais e seus representantes. A ameaça da concorrência estrangeira foi um problema permanente para a coroa portuguesa, que ocupava o território para não perder o domínio sobre as correntes do tráfico humano.
O incêndio de plantações e saques de celeiros, a destruição de diques e pontes, a morte e captura de centenas de pessoas a cada ataque terão como consequência um baixo crescimento populacional e o retrocesso das condições materiais de existência, de lenta recuperação. Quando se associa os países da África Subsaariana à “pobreza” e não se considera o impacto de três séculos desse processo destrutivo apenas um século e meio depois, sai fortalecido o preconceito racista de que pobreza e cor da pele guardam relação direta de causa e efeito.
A Igreja Católica foi a grande sócia da coroa portuguesa no empreendimento colonial e não viu nenhum problema em justificar a escravização de milhões de pessoas ao longo de séculos.
Ao mesmo tempo, a construção de presídios e fortes pela coroa portuguesa, geralmente em lugares associados à existência de feiras regionais, apontam para a continuada ocupação do território, igualmente representadas pelas missões evangelizadoras católicas, sempre poucas, apesar dos recorrentes pedidos para o envio de clérigos e missionários.
No reino do Congo, a última tentativa de resistência ao domínio português terminou na Batalha de Ambuíla, em 1665, quando tropas luso-africanas (incluindo brasileiros) enfrentaram e venceram as tropas do reino do Congo, apesar dos seus cem mil combatentes. Em meio ao desastre militar, morreram o manicongo e dezenas de nobres que poderiam substituí-lo. O reino do Congo dividiu-se novamente em lutas internas pelo poder, enquanto Portugal consolidou sua ocupação colonizadora na costa ocidental africana.
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