A QUEM PROTEGE A OPERAÇÃO ESCUDO?

 

Elaine Senise Barbosa

11 de setembro de 2023

 

O secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Guilherme Derrite, anunciou na terça-feira passada (5/9) o encerramento da controversa Operação Escudo, realizada nos municípios do Guarujá e Santos a partir de 28 de julho de 2023. Quarenta dias depois, a Polícia Militar alcançou a notável marca de haver realizado a ação policial mais letal no estado de São Paulo desde o Massacre do Carandiru: 28 pessoas mortas (22 no Guarujá, 6 em Santos).

A Operação Escudo contou com um efetivo de 600 policiais militares e civis. Oficialmente, seu objetivo era fazer um enfrentamento mais direto com o crime organizado e o tráfico de drogas, prendendo seus agentes e mercadorias para impedir que tais organizações criminosas se consolidem na baixada santista.

De fato, porém, a operação foi deflagrada no dia seguinte ao ataque a uma patrulha da Rota, em Vila Izilda, Guarujá, que resultou na morte de um soldado e no ferimento de seu parceiro. Logo nas primeiras noites da ação policial, várias pessoas foram mortas ou feridas.

Desde a “estreia” da organização do narcotráfico Primeiro Comando da Capital (PCC), nas telas de todo o Brasil, em 2006, quando a cidade de São Paulo parou, ficou evidenciado um padrão de vingança. A cada vez que um policial for morto, dez bandidos pagarão com a vida. Trata-se de justiçamento puro e simples: a ordem pela força, não pela lei. E, como sempre, atingindo indiscriminadamente muitos inocentes, suspeitos de pobreza e porte de grandes quantidades de melanina.

Aliás, foi exatamente nessa linha que a Defensoria Pública do Estado de São Paulo e a entidade civil Conectas Direitos Humanos deram entrada a uma ação civil pública contra o governo do estado de São Paulo. Nela, explicam que a conta de “10 para 1” remonta às ações do Esquadrão da Morte, um rebento da ditadura militar.   

 

Câmera corporal PM paulista

Operação Escudo esconde as câmeras

Para prevenir as operações de vingança, é preciso separar o joio do trigo, ou seja, os policiais que agem como verdadeiros representantes da lei daqueles que a transgridem. Nessa direção, o anterior governo de São Paulo adotou, em agosto de 2020, o Programa Olho Vivo, instalando câmeras corporais nos uniformes dos agentes policiais, o que ajuda a analisar as condutas individuais.   

Contudo, quando todos se voltaram para as câmaras usadas por policiais envolvidos na Operação Escudo, o que se viu foi uma sucessão de respostas vagas por parte da Secretaria de Segurança Pública. Um mês se passou até que a informação fosse dada a público e, quando ela chegou, soube-se que entre os envolvidos nas 28 mortes, apenas seis policiais portavam câmeras. E mais: apenas três delas continham informações úteis às investigações.

“Tal informação causa preocupação porque sabe-se que as nove primeiras ocorrências de morte por intervenção policial foram praticadas por agentes da Rota, batalhão já equipado com câmeras corporais. É necessário, portanto, que se esclareça a razão desses agentes não estarem com o equipamento durante as ações da Operação Escudo”, diz a Defensoria.

 

Operação Escudo não esconde preconceitos

Sala de controle de câmeras de rua

Uma sala de monitoramento de câmeras de rua. A tecnologia ajuda a combater o crime e os abusos de poder

Na entrevista da terça-feira passada, o secretário Derrite explicou que foram “28 confrontos de infratores que infelizmente optaram por resistir às prisões e acabaram efetuando disparos”. Nem corou: as 28 pessoas mortas da mesma maneira teriam, todas, tomado a iniciativa de atacar os policiais.

A alegação ritual de legítima defesa não colou. Nos dias seguintes às primeiras mortes, no fim de julho, investigações de órgãos de imprensa, Defensoria Pública e entidades de Direitos Humanos, não encontraram sinais de tiroteios como cápsulas de projéteis ou marcas de bala em paredes. Relatos muito diferentes foram feitos pelos moradores dos bairros alvos da ação policial, e eles incluem violações de domicílios, torturas e execuções.  

No balanço geral, a Operação Escudo apreendeu 117 armas e cerca de uma tonelada em drogas. Além das mortes, foram realizadas 958 prisões, das quais 382 eram pessoas legalmente procuradas. Outro comentário do secretário Derrite: “Se não existisse crime organizado no estado, não teríamos realizado a prisão de quase mil criminosos”. Estranha matemática: apenas um terço dos detidos apresentava problemas com a justiça. 

O relatório da Defensoria/Conectas apontou que 90% dos flagrantes da operação não encontraram nenhuma arma com as pessoas detidas, 67% não portavam drogas e mais da metade (55%) eram réus primários. “São jovens, negros e sem antecedentes que estão sendo detidos, em sua maioria por suposto envolvimento em crimes sem violência ou grave ameaça (73% dos casos)”.

Ou seja, ao se referir aos detidos como “quase mil criminosos” o responsável pela segurança pública de São Paulo deixa claro o que nenhum discurso de guerras às drogas e ao crime organizado consegue esconder. Nenhum Escudo. 

Manifestação contra Operação Escudo (faixa)

 

A polêmica das câmeras

O governador paulista Tarcísio de Freitas, um aliado do ex-presidente Bolsonaro, falava desde a campanha eleitoral em suspender o Programa Olho Vivo. Agora, tenta fugir das críticas com a retomada de operações policiais mais tradicionais: a Operação Impacto e, a partir de dezembro, a Operação Verão.

O Ministério Público recomendou explicitamente o uso de câmeras corporais por todo os policiais envolvidos na Operação Escudo ou o emprego de batalhões que já dispõem de câmeras corporais durante a Operação Impacto.  O titular da Secretária de Segurança Pública nega ter conhecimento formal desse pedido, bem como qualquer informação vinda da imprensa, organizações da sociedade civil ou quaisquer fontes que não sejam os canais institucionais.

Não surpreende, vindo de quem decidiu remanejar nada menos do que 400 câmeras corporais para o policiamento do trânsito na cidade de São Paulo, à custa de retirá-las de unidades de onde são muito mais importantes, como os batalhões de operações especiais. O orçamento para a aquisição dos equipamentos, inicialmente de R$ 152 milhões, caiu para R$ 136 milhões e, agora, mais R$ 11 milhões foram retirados. Até o momento R$ 93 milhões foram empenhados, mas apenas metade disso (R$ 45 milhões) foi efetivamente utilizado para aparelhar a polícia paulista.

Desde as últimas eleições, este site defende o Programa Olho Vivo, com base em experiências que vem sendo adotadas no mundo todo, sempre com resultados benéficos tanto em relação à redução dos crimes, quanto para a proteção do agente policial, que fica resguardado de falsas acusações.  O recuo tardio de Tarcísio de Freitas, que prometeu manter as câmeras corporais, deve ser saudado. 

Há indícios de outro recuo. Apesar de, publicamente, haver elogiado a Operação Escudo e os policiais envolvidos, que provavelmente formam importante base política do bolsonarismo, o governador acaba de trocar o comando da Rota, tropa de elite da polícia militar estadual. O tenente-coronel Rogério Nery Machado foi substituído pelo também tenente-coronel Leonardo Akira Takahashi, oficial com carreira na Rota. Governador e secretário negam qualquer relação com o encerramento da operação e falam em promoção natural da carreira.

Patrulha policial em entrada de bairro no Guarujá

Patrulha da Operação Escudo no Guarujá: sempre os mesmos alvos

Mas não mudou a linha narrativa da guerra contra o crime organizado, que costuma funcionar como álibi para operações ilegais e truculentas. O secretário de segurança declarou: “O Estado não será afrontado em nenhuma ocasião em São Paulo. Esperamos que novas operações não sejam necessárias, mas caso se façam necessárias, caso o Estado seja afrontado, em qualquer ponto, operações como a Escudo serão desencadeadas para garantir que não haverá um estado paralelo dentro do Estado de São Paulo”.

Aparentemente, o governador Tarcísio de Freitas e seu secretário de segurança resolveram combater o crime organizado nivelando-se com ele. O estado de São Paulo vem implementando práticas destinadas a coibir abusos policiais, um problema nacional, ao longo dos anos, em diferentes gestões. Ainda assim as coisas são como são – e só podem piorar se a palavra “guerra” for utilizada no lugar de “policiamento”.

A população do estado de São Paulo (e de todo o Brasil), precisa contar com o compromisso dos governadores em defesa dos direitos humanos. Isso significa cumprir a lei, dispensando tratamento igual a todos os cidadãos, independentemente de renda, cor da pele ou lugar de moradia.   

 

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