ASSASSINATO DE PRESIDENTE DO HAITI EXPÕE FRACASSO DA ONU

 

23 de agosto de 2021

 

jovenel moise

Jovenel Möise, o presidente assassinado

Em 7 de julho de 2021, o presidente do Haiti, Jovenel Möise, foi brutalmente assassinado na residência oficial, na capital, Porto Príncipe, em atentado ainda não totalmente esclarecido, mas envolto em descobertas que remetem ao presente e ao passado dessa instável nação caribenha. O crime levou o presidente interino e primeiro-ministro Claude Joseph a decretar estado de sítio durante as investigações. 

As investigações iniciais conduziram à identificação de um grupo armado com conexões nacionais e transnacionais que vão além dos Estados Unidos, incluindo Equador, Colômbia e  Venezuela, segundo reportagem publicada no jornal espanhol El País . Nesses dois últimos casos, vem à tona o problema de países cujas conturbações políticas internas parecem tê-los transformado em exportadores de mercenários. Fizeram parte da operação 26 colombianos, 18 dos quais foram presos. 

O fornecedor das armas teria sido o ex-senador de oposição John Joël Joseph. Os guardas de turno na residência oficial foram acusados de facilitar a entrada dos criminosos. A acusação estende-se a alguns integrantes da polícia local, por terem participado do planejamento da ação. As autoridades de polícia do Haiti responsabilizam o médico e pastor Christian Emmanuel Sanon. Radicado na Flórida há 20 anos, a partir de onde atuava politicamente, ele não fazia segredo de suas ambições presidenciais. 

christian emmanuel sanon

Christian Emmanuel Sanon, o principal suspeito de ser o mandante do crime

Sanon retornou ao Haiti no início de junho em um voo particular com seis colombianos como agentes de segurança. Foi para ele que os criminosos telefonaram logo depois de assassinar o presidente. Semanas antes, Sanon organizara uma reunião em Miami com empresários de peso provenientes do Equador, da Venezuela e dos Estados Unidos, aos quais apresentou um “plano de reconstrução do Haiti”. Big business. 

Sempre lembrado como a pátria da primeira revolução negra, onde a massa dos escravizados fez a independência para conquistar a própria liberdade, o Haiti também carrega seu drama de sociedade violenta que jamais conseguiu superar as distinções entre “raça” e “classe”. Desde a expulsão dos colonizadores brancos, em 1804, a minúscula elite do país se divide entre “mulatos” e “negros ricos” que disputam o controle do Estado. 

O miserável povo haitiano é apenas massa de manobra para legitimar uma ou outra facção, permanecendo excluído das decisões políticas. São essas pessoas, contudo, que sofrem cotidianamente a precariedade do Estado, a falta de infraestrutura e a crescente violência das milícias. É em nome delas que “missões humanitárias” se tornaram cada vez mais comuns, transformando-se em novo e decisivo elemento na política do país.

 

Novas elites e Estado ausente 

A luta contra a elite colonial francesa teve início em 1794, sob a liderança do ex-escravo Toussaint Louverture, e foi concluída em 1804 pelo general mestiço Jean-Jacques Dessalines. Esse início fornece uma boa imagem do eixo político que organiza a sociedade haitiana desde a sua fundação: a disputa entre uma elite negra e uma elite mestiça, com suas respectivas articulações externas. Um ditado popular resume bem a dinâmica de raça e classe no país: “negro rico é mulato; mulato pobre é negro”, evidenciando a permanência do “estigma do escravo”. No cotidiano, o idioma diferencia as classes, porque o francês distingue os estudados e poderosos do povo que basicamente utiliza o dialeto creole. 

O controle da massa impedida de progredir ocorre pela distribuição de pequenos favores, com vistas à formação de clientelas políticas. A exploração dos trabalhadores prosseguiu com a manutenção dos latifúndios monoexportadores herdados do período colonial. Tudo isso contribuiu para a pouca representatividade dessa oligarquia governante. A forma de evitar contestações aos poderes estabelecidos foi criar guardas pessoais, prontas a atuar muito mais como milícias do que como forças públicas representantes de Estados legítimos. Isso começou na metade do século XIX com os Zinglins de Élie Solouque. 

papa doc e baby doc

Papa Doc e Baby Doc, dois tiranos marcados pelas atrocidades cometidas contra os opositores

A ocupação dos Estados Unidos, entre 1915 e 1935, no quadro da Política do Big Stick, evidenciou o uso recíproco dos políticos em Washington e Porto Príncipe e forneceu mais um bom motivo para evitar qualquer coisa parecida com uma reforma agrária ou algum esforço de progresso social. Por isso, os EUA nunca se incomodaram com a longa ditadura dos Doc, Papa e Baby, que recorreu àquela que se tornou a mais famigerada força palaciana da época, os Tontons Macoute, tristemente célebres pela violência descontrolada. 

A milícia surgiu com François Duvalier, o Papa Doc, eleito presidente em 1957, cuja carreira política começou como médico popular e derivou para a figura de líder populista. Papa Doc mobilizou os símbolos da cultura negra haitiana, sobretudo baseada na língua creole e na religião vodu, para afirmar seu grupo político frente à elite mulata. Enquanto sua família enriquecia, os críticos eram torturados e mortos pelos tontons.

Em 1971, Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc, sucedeu ao pai morto. Menos hábil, governou durante quinze anos com ainda mais violência contra os opositores, ao mesmo tempo em que procurava atrair investimentos para o país. Em 1986, fugiu para a França quando já não conseguia manter mais o controle sobre a máquina, até por efeito da sua própria abertura ao exterior. 

 

 

Ajuda externa e fragilidade interna

Baby Doc sustentava seu governo prometendo uma “modernização econômica” que completaria a “modernização política” supostamente realizada por seu pai. De fato, na década de 1980 o Haiti recebeu significativos recursos financeiros na forma de ajuda internacional. O “Terceiro Setor” estava surgindo e a oportunidade de desenvolver um país tão pobre quanto o Haiti, atuando nas áreas de saúde, educação, combate à fome, saneamento básico, era a razão de ser de muitas das novas Organizações Não Governamentais. A ajuda humanitária público-privada gerava novas formas de organização e mobilização política no plano internacional. 

Apenas nos anos 1980, mais de 80 organizações estrangeiras atuavam em solo haitiano, e pelo menos 30 delas estavam ligadas a agências públicas. A ajuda externa se tornou a principal fonte de renda do país, quando mais de US$ 300 milhões foram investidos por ano, com pelo menos 400 especialistas envolvidos nos projetos. No entanto, no término da década, o Haiti foi considerado um “cemitério de projetos” pois a maioria deles restou incompleta. 

Apesar das boas intenções para tocar os projetos, as condições para que dessem frutos eram precárias. Do lado haitiano, a vigilância estatal sobre a atuação das organizações e a falta de segurança às equipes desestimulavam tentativas de atuar de modo mais autônomo. Assim, os projetos supostamente voltados aos mais pobres, no interior do país, eram desviados para a capital Porto Príncipe, de mais fácil acesso e um pouco mais segura. Por outro lado, os financiadores, frequentemente bancos públicos e privados internacionais, exigiam resultados rápidos, o que dificultava continuidades. 

Como se constatou em alguns anos, com grande frustração, aquelas ações não surtiram efeito com a rapidez esperada. No final da Era Duvalier, o analfabetismo atingia 90% da população; apenas 12% das crianças frequentavam as escolas e mero 1% completava seis anos de ensino básico. A elite era composta pela minoria dos que tinham acesso à educação universitária, frequentemente realizada nos EUA.  

 

DEPOIS DA DITADURA

Novas intervenções e, em 1991, EUA, ONU e União Europeia (UE) anunciaram a “primeira eleição democrática do Haiti”. Jean Bertrand Aristide, um clérigo católico adepto da Teologia da Libertação e ligado aos setores populares negros, foi o escolhido. Sua eleição não agradou totalmente a alta cúpula militar do país, influenciada pelos EUA e tendente a ver o presidente como esquerdista. A elite mestiça também se agitou frente a um político com forte apelo popular. Em setembro, 7 meses após ter sido eleito, Aristide foi deposto por um golpe militar encabeçado pelo comandante das Forças Armadas, Raoul Cédras. 

 jean baptiste aristide e raoul cedras

À esquerda, o negro Aristide, à direita, o mestiço Cédras

A reação internacional ao golpe foi intensa mas sem efeito prático, exceto o de levar ao exílio do presidente deposto. A saga de Aristide estendeu-se pelos 15 anos seguintes. O presidente finalmente retornou ao poder, convertendo-se em líder autoritário com sua própria guarda pessoal, até que a reação de grupos armados levou-o a sair novamente do país no início de 2004, numa trama mal esclarecida que envolve uma revolta popular e uma intervenção conduzida pelos EUA e pela França. 

Foi nessa época que uma nova filosofia de segurança ganhou força nas mentes de dirigentes da ONU. A Guerra Fria tinha chegado ao fim e a chamada Nova Ordem Internacional, baseada na unidade de propósitos, pedia uma ONU que finalmente rompesse com a paralisia gerada pelo embate entre EUA e URSS. Em 1991, no mundo “unificado” da “nova ordem”, uma ONU entusiasmada pelos eventos da Guerra do Golfo, que acabava de ocorrer, julgou ser seu papel conduzir, em nome da paz, intervenções humanitárias e/ou ações militares preventivas.

O novo enfoque traria abordagens inéditas aos problemas “nacionais”, porque em alguns casos eles poderiam se tornar “internacionais”. As noções de ameaça à paz e à segurança internacional seriam muito alargadas: crises humanitárias, risco de terrorismo, proliferação de armamentos de destruição em massa ou Estados falidos incapazes de conter ondas de imigrantes – quase tudo poderia justificar uma intervenção externa. 

O documento “Uma Agenda para a Paz”, apresentado em 1992 pelo Secretário-Geral da ONU, Boutros Boutros-Ghali, desenhava o novo modelo. Uma abordagem “multidimensional”, com operações que iriam além de ações militares destinadas a manter a paz, passando a promover a solução ou encaminhamento dos problemas estruturais em cada país. Para “construir a paz” (peacebuilding, como ficou conhecida a estratégia) era necessário envolver outros atores e instituições internacionais no auxílio e desenvolvimento de políticas públicas adequadas às condições locais. 

Há uma questão de soberania que se coloca em decorrência desse novo entendimento: as missões de paz teriam o poder de intervir em assuntos domésticos, da alçada dos Estados e seus governos, além de autorizar o uso da força ativa pelas tropas, indo além da legítima defesa. Isso era inédito e teria nefastas consequências.  

saneamento haiti

A quase completa ausência de saneamento básico segue sendo um dos maiores obstáculos para a sociedade civil haitiana

 

Haiti, ameaça regional

Os pesquisadores Lucas Guerra e Ramon Blanco escreveram um ensaio sobre as missões de ajuda internacionais no Haiti mostrando como o país passou a ser tratado a partir da nova abordagem da ONU. As potências, sobretudo EUA e França, temiam que a crônica instabilidade política do país – dada a presença de grupos paramilitares dispostos a iniciar uma guerra civil – se tornasse uma ameaça de segurança regional, ou mesmo provocasse uma onda de refugiados. 

Entre 1996 e 2000, a ONU enviou quatro missões ao país focando principalmente a área de segurança. Contudo, instalava-se um paradoxo, pois a responsabilidade básica de qualquer Estado de fornecer segurança interna e garantir a soberania externa era minada a cada nova intervenção. Aos poucos, as forças de segurança existentes foram substituídas por agentes treinados por estrangeiros até que, no fim, a ONU tornou-se parte imprescindível das forças de segurança do país, com seus soldados, os “capacetes azuis”.

O afastamento de Aristide, em 2004, deu oportunidade à ONU para lançar seu projeto civilizatório mais ambicioso, seguindo a estratégia da “Agenda pela Paz”: a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti ou MINUSTAH. Os objetivos eram melhorar a segurança e encerrar a ameaça de guerra civil; garantir eleições livres e “governança democrática”; garantir os direitos fundamentais por meio da ingerência de diversas agências da ONU (Pnud, Unicef, Unesco, UN-Habitat, UNOPS, ONU Mulheres, Banco Mundial), além da OEA, do Caricom e do FMI.

A missão representava uma oportunidade inédita de intervenção, e uma certa fantasia tecnocrática de que um país com graves problemas poderia ser refeito “corretamente” em meses, a partir de boa vontade internacional. Coube ao Brasil do presidente Lula da Silva e sua política externa de projeção de influência regional receber o comando da MINUSTAH, levado a cabo pelo Exército brasileiro. Liderar a missão fortalecia a pretensão do Estado brasileiro de vir a integrar um reformado Conselho de Segurança da ONU. 

Lula e minustah

O presidente Lula da Silva passa em revista as tropas brasileiras que iriam embarcar para integrar e chefiar as operações da MINUSTAH, em 2004

 

O projeto de reconstruir o Estado haitiano provocou efeito contrário, enfraquecendo-o ainda mais aos olhos da população. Esse Estado fantasmagórico é apenas um simulacro de legalidade que permite à minúscula elite do país disputar o controle sobre os parcos recursos nacionais em favor de si mesmas, e agora livres de fingirem preocupação com o povo, que foi entregue à tutela de entidades humanitárias e organizações não governamentais. 

Aos poucos o Haiti foi sendo pacificado, o que permitiu uma tímida recuperação econômica. Entre 2004 e 2015, seu Produto Interno Bruto saltou de US$12,05 bilhões para US$ 18,75 bilhões, segundo dados do Banco Mundial. Já o Índice de Desenvolvimento Humano aumentou de 0,455 para 0,493 entre 2005 e 2015. 

 

Terremotos e devastações

A história do Haiti é também fortemente afetada pela natureza, devido aos terremotos que acometem a ilha de tempos em tempos, e que decorrem da formação geológica da ilha de São Domingos, localizada sobre a borda da placa tectônica americana. Houve terremotos em 2012, 2016, e mais um acaba de ocorrer, em agosto de 2021, que deixou cerca de 2.300 mortos. Nada se compara, porém, com o terremoto de 2010

Era uma terça-feira, 12 de janeiro, quando um sismo de magnitude 7 na escala Richter, com epicentro a 25 quilômetros de Porto Príncipe devastou o já miserável país, incluindo a base de operações da MINUSTAH. Considerado o quinto terremoto mais grave registrado até hoje em todo o mundo,  deixou 300 mil mortos, 300 mil feridos e cerca de 1,5 milhão de desabrigados. O que já era desastroso tornou-se caótico: soldados da MINUSTAH que chegaram pouco depois do terremoto levaram o vírus do cólera para o Haiti infectando mais de 100 mil pessoas e matando aproximadamente 10% dos doentes. 

A missão da ONU deparou-se com uma prova de fogo, pois as frágeis estruturas pré-existentes ruíram literalmente, deixando de existir as mínimas condições de organização ou local para manter os projetos de desenvolvimento em implantação. E, mais uma vez, a virtual ausência do Estado exigia a manutenção de forças de intervenção. O país seguia a reboque do intervencionismo humanitário.

terremoto 2010 - vista aérea

Vista parcial da destruição causada pelo terremoto de 2010 em Porto Príncipe

 

A urgência demandava ajuda rápida e houve grande mobilização mundial para o envio de doações de toda a ordem. Desde 2010, o país recebeu mais de US$ 13 bilhões. Novamente, porém, o que se observou foi o desperdício desses recursos: a vultosa quantia não promoveu um mínimo de impulso para o crescimento autônomo da sociedade haitiana.

MSF no Haiti

Infelizmente, entidades sérias como a Médico sem Fronteiras acabam servindo de biombo para outras ONGs, comprometidas apenas com seu próprio sucesso financeiro

Os dados socioeconômicos pós-terremoto mostram o aumento das desigualdades dentro de um país no qual os 20% mais ricos detém 64% da renda nacional. O Haiti continua a ser a nação mais pobre do continente – e o palco de frequentes violações dos direitos políticos e sociais da população. Nesse contexto, operam incontáveis ONGs e agências multilaterais, que captam para si parcela significativa da ajuda externa e reduzem os incentivos para a criação de serviços e a formação de mão de obra qualificada no próprio Haiti.

 

A queda do herói

Nos últimos anos, a MINUSTAH passou a sofrer denúncias contra militares das forças de paz, acusados de condução truculenta das operações, incluindo violações de direitos humanos como execuções sumárias. Militares brasileiros cometeram abusos sexuais, como trocar sexo por comida, e há inúmeros casos de mulheres grávidas abandonadas com seus filhos. Foram denunciados pelo menos 150 casos, considerando-se o conjunto das tropas internacionais de capacetes azuis. 

A garantia de impunidade é um estímulo a esse tipo de comportamento, visto que a ONU não tem autoridade para indiciar os seus próprios soldados, pois eles devem ser devolvidos ao país de origem para serem julgados por suas justiças nacionais. O que acontece, porém, é o contrário: ao retornarem para casa esses homens são tratados como “heróis das forças de paz”, inclusive escondendo seus malfeitos atrás da boa atuação da maioria das tropas. O governo brasileiro, por exemplo, negou a participação de seus soldados nos crimes denunciados, sem realizar investigações.

O conceito de “governança democrática” é algo para o futuro, pois a estrutura hierárquica e militarizada da MINUSTAH impedia que atores haitianos questionassem, por exemplo, as ações controversas dos capacetes azuis. No modelo ONU, para implantar a democracia é preciso que não haja participação popular. É, de certo modo, uma nova versão da velha “missão civilizadora do homem branco”. Com o passar do tempo, a suposta paz imposta por ações truculentas de estrangeiros começou a desencadear reações da sociedade civil, como a exigência de maior participação nas esferas decisórias. 

A MINUSTAH terminou o seu mandato oficialmente em 15 de outubro de 2017, e no período final, reduziu sua participação no controle das instituições do país, praticamente inexistentes. Com a gradual retirada das tropas, a lei do mais forte trouxe de volta gangues e milícias organizadas, que voltaram a aterrorizar a população. Nem sequer o objetivo central da MINUSTAH – a garantia da segurança interna – foi atingido. 

gangues

As gangues estão de volta, proliferando no vácuo deixado por um Estado quase inexistente

 

País em frangalhos, humanitarismo em crise

As novas forças políticas haitianas surgiram junto com o fortalecimento das milícias. O governo é exercido por meio de armas e a política é feita a partir do amedrontamento nas ruas: ganha quem tiver mais força para impedir que outro grupo dispute território.

A impunidade é a regra; escândalos de corrupção não são investigados. A ilustração mais nítida é o caso da PetroCaribe, que envolveu quatro presidentes e altos funcionários de suas administrações. Mais de US$ US$3,2 bilhões foram desviados, dos quais cerca de US$ 2 bilhões seguiram para cofres do setor privado, favorecendo ONGs de fachada.

A debilidade continuada do Estado é intencional e serve bem aos negócios. O humanitarismo introduzido no Haiti provou-se tóxico, incapaz de resolver os problemas estruturais. Joel Boutre, responsável da ONU no Haiti afirmou ao The Guardian que “o Haiti seria melhor sem a ajuda externa, pelo menos melhor sem o tipo ruim de ajuda que recebe”. 

O país mais pobre das Américas segue dependente de ajuda externa. A educação, base para uma sociedade civil ativa na política, permanece um privilégio das elites, comumente instaladas em Miami. Aqueles que conseguem ser educados nos projetos sociais existentes terminam emigrando pela impossibilidade de realizar mudanças em um ambiente tão hostil e inseguro. Dessa forma, tentativas de levante popular ou de reforma democrática são barradas na raiz porque não há massa crítica necessária para que ocorram mudanças. 

Desde 2019, protestos suprimidos com violência pelas gangues de rua mobilizadas pelo governo Möise expuseram a insatisfação popular frente à atuação corrupta de seu governo. Talvez isso explique porque o assassinato do presidente não despertou comoção nas ruas. Uma coisa, porém, é certa: mais de duas décadas depois, a “agenda para a paz” da ONU fracassou.

protestos em Porto Principe 2019

Protestos eclodiram na capital, Porto Príncipe, no início de 2019, apenas para acabarem silenciados em sangue

 

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