LIBERTEM LOUJAIN AL-HATHLOUL

 

Elaine Senise Barbosa

23 de março de 2020

Loujain al-Hathloul é uma ativista pelos direitos das mulheres na Arábia Saudita e presa política há quase dois anos. Ela foi detida em maio de 2018 junto a outras ativistas, acusadas de tentarem “desestabilizar o regime”. O verdadeiro crime cometido por elas (e também por alguns homens) foi militar pacificamente pelo direito das mulheres dirigirem automóveis. Mais do que isso, Loujain e suas compatriotas têm questionado a subordinação legal das mulheres aos pais, maridos ou irmãos, uma prática bastante disseminada em países muçulmanos e que vem sendo questionada por movimentos feministas locais.

O ativismo de Loujain começou aos 5 anos de idade – e involuntariamente. Segundo reportagem do jornal britânico The Guardian, seu pai, um veterano da Marinha, queria que os filhos se tornassem bons nadadores e levou-a a uma piscina pública. Lá, frequentadores reclamaram da presença de uma garota em trajes de banho na área exclusivamente masculina. O pai retrucou que, se eles se sentiam desconfortáveis com a roupa de uma garota daquela idade, o problema era deles. O episódio deu frutos: daquele momento em diante, diversos pais passaram a levar suas filhas para nadar com eles.   

Mas a história das relações conturbadas entre Loujain e as autoridades sauditas começou mesmo em 2014, quando ela foi presa pela primeira vez ao cruzar a fronteira de Abu Dabhi, onde vivia, para a Arábia Saudita, dirigindo um carro. O desafio rendeu-lhe 73 dias em um centro de detenção juvenil.

Em setembro de 2016, junto com outras 14 mil pessoas, ela assinou uma petição ao rei pedindo a revogação da lei de tutela masculina.  Em junho de 2017, saindo do aeroporto na cidade de Dammam, foi detida por alguns dias, sem contato com a família ou advogado, e posteriormente liberada. Em setembro do mesmo ano, uma lista de defensores de diretos sauditas foi advertida para não se comunicar com a mídia. O detalhe bizarro foi o telefonema de alerta ocorrer no mesmo dia em que o governo anunciava a liberação para as mulheres dirigirem em alguns meses.  

Em março de 2018, Loujain foi sequestrada nos Emirados Árabes Unidos, levada para a Arábia Saudita e, depois, banida. Dois meses depois, em 15 de maio, ela foi presa com outras destacadas militantes pelos direitos civis das mulheres: Eman al-Nafjan, Aisha al-Mana, Aziza al-Yousef, Madeha al-Airoush.

Principe Salman e desenho de ativistas presas

Algumas das ativistas mais conhecidas na Arábia Saudita e presas em 2018, ao lado da figura ameaçadora do príncipe Salman, em cartaz da campanha da Anistia Internacional. Loujain aparece no canto inferior 

Em outubro, o príncipe Mohammed bin Salman afirmou que as ativistas eram espiãs trabalhando para desestabilizar o regime, e que os serviços de segurança possuíam gravações como prova. Um ano depois, em entrevista a um órgão de imprensa dos EUA, maior aliado do regime saudita, Salman disse que o judiciário em seu país é independente e que ele não poderia fazer nada em relação às ativistas presas…

Loujain continua presa e seus irmãos – vivendo no exterior – acusam o regime saudita por tortura e maus-tratos aos presos, incluindo violência sexual contra a irmã. Outras presas também falam de importunação sexual. Em uma das visitas que recebeu dos pais na prisão, Loujain mostrou as pernas queimadas por choques elétricos. Contam os irmãos que ela foi diretamente inquirida e ameaçada pelo então todo-poderoso Saud al-Qahtani em algumas das sessões de tortura. Qahtani, hoje ex-amigo do príncipe Salman, estava na embaixada saudita na Turquia supervisionando o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, em outubro de 2018, razão pela qual cumpre prisão domiciliar.  

 

Um festival de prisões ilegais

A Human Rights Watch (HRW) vem acompanhando a situação dessas mulheres e lembra que não é de hoje a prática repressiva e autoritária da monarquia saudita contra dissidentes pacíficos ou vozes críticas em geral. Em 2011 os tribunais locais condenaram mais de 30 ativistas a penas superiores a dez anos de prisão por acusações tão vagas quanto “quebrar a lealdade à monarquia” ou criar “organização sem licença”.

Dessa vez, a aparente contradição em prender as ativistas no mesmo dia em que uma de suas reivindicações era aceita, é interpretada pelos analistas como um recado do príncipe Salman: a campanha de “reformas liberalizantes” por ele anunciada ao ser escolhido como sucessor do trono, e que tem sido seu “passaporte diplomático” para se apresentar aos governos do Ocidente, não deve ser contestada ou atropelada por ninguém. Enquanto Salman grita “eu sou liberal”, manda cortar as cabeças discordantes. Segundo Sarah Leah Whitson, diretora da HRW no Oriente Médio “a campanha de reformas do príncipe herdeiro tem causado um frenesi de medo nos verdadeiros reformadores sauditas que se atrevem a defender publicamente os direitos humanos ou o empoderamento das mulheres”.

No caso de Loujain, assim como nos de outras 3.380 pessoas cujos processos foram analisados pela HRW, as prisões tem se estendido por mais de seis meses sem que haja condenação, ou a pretexto de “revisão judicial”. Desse total, 770 pessoas permanecem presas há mais de três anos.

Esses prazos demonstram que o governo saudita ignora a Lei de Processo Penal do país, que admite prisão sem acusação por no máximo cinco dias, renovável por seis meses em caso de ordem direta do Ministério Público. Depois disso, se não houver processo, a lei exige que o detido seja libertado ou transferido para os cuidados do tribunal competente.  Já a Carta Árabe dos Direitos Humanos, que a Arábia Saudita ratificou em 2009, garante que pessoas presas sejam imediatamente levadas a um juiz ou oficial de justiça para julgamento ou liberação. O estatuto ainda declara: “a detenção antes do julgamento não será, em caso algum, regra geral”.   

Nada disso está sendo cumprido, comprovando tratar-se de pura intimidação. O Ministério Público anunciou, em 1º de março de 2019, a conclusão das investigações preliminares contra as ativistas presas, embora sem uma acusação claramente formulada. No final daquele mês, as mulheres tiveram a chance de apresentar suas defesas, todas relatando abusos físicos e sexuais. Três delas conseguiram liberação sob fiança: Eman al-Nafjan, Aziza al-Yousef e Rokaya Mohareb.       

De lá para cá, a justiça tem recorrido a injustificáveis adiamentos e suspensões de audiências, tendo sido a última em 10 de março passado. Há pouco, as autoridades sauditas propuseram libertar Loujain se ela fizesse um depoimento escrito retirando suas acusações de tortura na prisão. Agora, segundo seus irmãos, a proposta chantagista exige um depoimento filmado. Loujain recusou.

Foto da ativista Loujain al-Hathloul

Loujain al-Hathloul pouco antes de ser presa, em maio de 2018. Ela parece disposta a se sacrificar para denunciar os abusos e crimes cometidos pelo regime do príncipe Salman

 

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