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Ataques terroristas do 11 de setembro de 2001 em Nova York

O jihadismo está de volta – eis a mensagem que emanou do sangrento ataque terrorista ao aeroporto de Cabul, em 26 de agosto, durante a dramática evacuação de militares e civis conduzida pelos EUA e seus aliados. De fato, o jihadismo nunca desapareceu, mas o retorno do Talebã ao poder no Afeganistão assinala o início de um novo capítulo na história que marcou a inauguração do século XXI.

“Terror islâmico” ou “terror islamita” são expressões comumente utilizadas para fazer referência a organizações como a Al-Qaeda, responsável pelos atentados de 11 de setembro de 2001, ou o Estado Islâmico, que perpetrou o atentado numa das entradas do aeroporto de Cabul. É um erro, e grave, pois elas conectam o terror à fé islâmica, reproduzindo a narrativa das organizações terroristas sobre si mesmas e disseminando a islamofobia. O termo preciso é jihadismo.

Jihad, em árabe, significa, “esforço”, num sentido meritório. Maomé convocou seus fiéis para uma jihad em 629, conquistando Meca. Consolidou-se, então, o sentido de “guerra santa” para a palavra. Contudo, os sábios do Islã denominam a guerra ao infiel como “jihad menor”, enquanto reservam a expressão “jihad maior” para a luta interna do fiel que procura se tornar uma pessoa melhor.

A Arábia Saudita é o único Estado contemporâneo que se originou de uma jihad, concluída pelo assalto à fortaleza de Al Masmak, no centro de Riad, em 13 de janeiro de 1902. A longa guerra iniciou-se em 1744, quando o príncipe Muhammad Ibn Saud, firmou uma aliança com Muhammad al-Wahab, líder perseguido de uma seita islâmica literalista.

A captura de Riad assinalou a criação do Estado saudita contemporâneo, que adquiriu os contornos da atual Arábia Saudita em 1926. A monarquia assentou-se na antiga aliança entre a dinastia dos Saud e a elite religiosa wahabita.

Bandeira saudita

A bandeira saudita expõe em letras brancas, sobre fundo verde, a imagem da espada islâmica encimada pela inscrição, em árabe, “Só há um Deus e Maomé é o seu Profeta”. A espada simboliza a dinastia guerreira dos Saud. A inscrição evoca a seita religiosa fundada por Wahab. Em tese, o Estado saudita repousa, até hoje, sobre o compromisso jihadista original.

Só em tese. A monarquia absoluta saudita enfrenta, há décadas, a ameaça de jihadistas internos que a acusam de curvar-se aos EUA e trair a promessa da jihad global. A monarquia da dinastia dos Saud é um Estado fundamentalista, mas não prega a jihad.

 

Jihadismo e fundamentalismo islâmico

Fundamentalismo religioso é a doutrina segundo a qual os textos sagrados devem regular a legislação nacional. Há correntes fundamentalistas em todas as grandes religiões. No caso do Islã, os fundamentalistas almejam fazer da Sharia, a lei islâmica tal como exposta nos textos sagrados originais, o norte legal da sociedade.

O Talebã condenou o atentado consumado pelo Estado Islâmico no aeroporto de Cabul. Uma nuvem de incertezas paira sobre o evento – e há os que sustentam a tese de conivência tática entre os vencedores da guerra afegã e o grupo terrorista. No entanto, existe uma nítida distinção entre o Talebã, de um lado, e Al-Qaeda e Estado Islâmico, de outro.

Os três são correntes fundamentalistas que atentam sistematicamente contra os direitos humanos e, especialmente, a igualdade civil entre mulheres e homens. Al-Qaeda e Estado Islâmico distinguem-se, porém, por abraçarem a doutrina jihadista. A meta de ambos é a unificação dos muçulmanos num califado mundial. Já o Talebã pretende apenas edificar um Estado teocrático no Afeganistão.

A queda de Cabul, em 15 de agosto de 2021, assinalou a substituição da bandeira afegã pela do Talebã, com a provlamação da fé muçulmana em letras pretas sobre fundo branco

O jihadismo contemporâneo nasceu em 1964, na obra Milestones, escrita no cárcere pelo egípcio Sayyd Qutb, um dissidente radical do partido clandestino Irmandade Muçulmana. O trecho crucial da introdução é uma conclamação: “Todas as ideologias nacionalistas e chauvinistas que surgiram nos tempos modernos e todas as teorias e movimentos derivados delas perderam sua vitalidade (…). Chegou a vez do Islã.”

Meses depois da publicação de Milestones, Qutb foi preso novamente e acusado de promover um complô do qual não participara. No tribunal, o promotor citou diversas passagens do livro, mas não apresentou provas concretas do crime. A sentença de enforcamento foi cumprida em agosto de 1966. Seu irmão mais novo, Muhammad, teve a vida poupada e cumpriu sentença de prisão até 1972, quando seguiu para o exílio na Arábia Saudita, junto com outros dissidentes perseguidos da Irmandade.

O egípcio Sayyd Qutb, à direita, na prisão, no Cairo. Seu irmão se tornaria o principal promotor do jihadismo na Arábia Saudita

Muhammad Qutb e seus companheiros foram recebidos de braços abertos. A monarquia enfrentava uma encruzilhada geopolítica e os exilados egípcios possuíam a resposta para o problema ideológico inscrito naquela encruzilhada. O poder dos Saud era contestado pelo nacionalismo árabe que, a partir do Egito, se difundia pelo Iraque e pela Síria. Nesses países, as monarquias tinham sido substituídas por repúblicas laicas modernizantes.

A Casa de Saud sentia o chão se mover em todo o Oriente Médio árabe e precisava agir em nome da sua própria segurança. A solução saudita foi erguer a bandeira da unidade dos fiéis muçulmanos, como alternativa à conclamação secularista pela unidade das nações árabes. A partir de uma iniciativa do rei Faisal, nasceu em 1962, numa conferência em Meca, a Liga Mundial Muçulmana.

Na perspectiva da dinastia, toda a operação era um expediente defensivo, destinado a soldar seus laços com o mundo muçulmano em geral e, em particular, com os pequenos reinos e emirados do Golfo Pérsico. A Arábia Saudita, protetora dos lugares santos de Meca e Medina, utilizava o Islã como fonte de legitimidade internacional. Contudo, sob o ponto de vista dos exilados egípcios, tratava-se de reavivar a fagulha adormecida da jihad.

 

11 de Setembro

Muhammad Qutb tornou-se professor de estudos islâmicos em Meca e Jedah, publicou livros de seu irmão mais velho e divulgou suas próprias obras. Segundo alguns relatos, o jovem saudita Osama Bin Laden costumava sentar-se na audiência de suas conferências semanais. O jihadismo dos exilados egípcios entusiasmava os jovens, apontando-lhes um rumo revolucionário, e contaminava alguns setores da elite religiosa wahabita.

As fissuras na aliança política entre a dinastia e o aparato religioso saudita disseminaram-se imperceptivelmente, até uma explosão. Em novembro de 1979, comandados por Juhaiman al-Otaibi, quase 1,5 mil militantes jihadistas ocuparam à força a Grande Mesquita de Meca, resistindo no seu interior à ofensiva policial durante duas semanas. A mesquita só foi retomada por meio de um ataque conduzido por militares paquistaneses, com auxílio de unidades especiais francesas. O líder rebelde e outros 67 sobreviventes foram enforcados.

O episódio da Grande Mesquita coincidiu com a Revolução Iraniana que derrubou o xá Reza Pahlevi e instaurou um Estado teocrático xiita devotado à exportação da “revolução islâmica”. O Irã, persa e republicano, tomava o lugar do Egito árabe e nacionalista como inimigo regional da monarquia saudita. Confrontada com a nova ameaça externa, a Casa de Saud tomou a arriscada decisão de financiar a sua própria jihad, dirigindo ao exterior o impulso de radicalização interna.

O instrumento estava à mão, na figura do jovem Osama Bin Laden. O cenário se configurava nas montanhas e vales do Afeganistão, onde um governo sustentado por tropas soviéticas começava a enfrentar a resistência de uma coleção heterogênea de “senhores da guerra”. Na moldura da Guerra Fria, a jihad afegã teria o apoio dos EUA e do Paquistão.

Combatentes jihadistas de Osama Bin Laden no Afeganistão, na década de 1980

A Al-Qaeda nasceu no Afeganistão, em 1988, aparentemente num encontro de Bin Laden com líderes da organização egípcia Jihad Islâmica, que surgira entre os seguidores de Sayyd Qutb. No ano seguinte, as forças soviéticas retiraram-se do Afeganistão e Bin Laden retornou à Arábia Saudita.

A Guerra do Golfo, em 1991, provocou a ruptura entre o chefe da Al-Qaeda e a monarquia saudita. A cooperação militar entre a Casa de Saud e os EUA conduziu à cisão. Então, Bin Laden deslocou-se para o Sudão, país governado por um partido fundamentalista islâmico, montou em Cartum seu centro político e colocou em marcha a nova jihad. Seu alvo era os EUA.

A segunda jihad apresentava-se como a continuação da guerra santa travada contra os soviéticos. Ela deveria ferir mortalmente o “império americano” e erguer as massas muçulmanas contra os regimes “apóstatas” sustentados pelo Ocidente. Depois de 1996, quando o Talebã tomou o poder no Afeganistão, Bin Laden transferiu seu quartel-general para Cabul e intensificou a campanha de atentados terroristas que culminaria com o 11 de setembro de 2001.

 

Os frutos da jihad

A “guerra ao terror” proclamada por George W. Bush quase liquidou a Al-Qaeda. Bin Laden conseguiu escapar da caçada no Afeganistão, instalando-se no Paquistão, talvez sob a proteção de facções das agências de inteligência paquistanesas que davam guarida às forças do Talebã. No fim, o chefe da organização foi executado pela célebre operação de comandos deflagrada pelos EUA, em maio de 2011, na cidade de Abbottabad.

Enquanto a Al-Qaeda declinava, emergia no Iraque e na Síria o Estado Islâmico. A nova organização derivou de uma cisão do grupo jihadista comandado pelo jordaniano Abu Musab al-Zarqawi, um veterano da guerra no Afeganistão, com Bin Laden. Al-Zarqawi foi executado numa operação aérea americana em 2006. Pouco depois, seu grupo, a Al-Qaeda no Iraque, adotou o nome de Estado Islâmico do Iraque e passou a operar de modo independente. Em 2010, Abu Bakr al-Bagdhadi assumiu a direção da organização jihadista, fortalecendo-a por meio da cooptação de antigos oficiais militares das forças de Saddam Hussein.

Fonte: Al Jazeera

A guerra civil na Síria, iniciada em 2011, abriu um vácuo de poder e um novo campo para o recrutamento de militantes radicalizados sunitas. No início de 2014, uma implacável ofensiva do Estado Islâmico propiciou a captura das cidades de Raqqa, na Síria, e Mosul, no norte do Iraque, assim como das regiões ao redor delas. Al-Bagdhadi proclamou, então, a fundação do Califado. No seu apogeu, a entidade jihadista semi-estatal controlava cerca de um terço da Síria e 40% do Iraque.

Uma escalada de tropas americanas no Iraque e ofensivas de forças curdas na Síria permitiu a reconquista dos territórios controlados pelo Estado Islâmico. No início de 2019, o Califado deixou de existir. Meses depois, uma operação de comandos dos EUA eliminou al-Bagdhadi.

Al-Qaeda e Estado Islâmico distinguem-se, sobretudo, por suas visões estratégicas. O segundo nutre pretensões territoriais – ou seja, busca estabelecer domínio geográfico regional e fundar entidades de tipo estatal. O Califado no Iraque e na Síria foi concebido como semente ou núcleo do califado mundial.

Já a Al-Qaeda escolheu operar exclusivamente como organização clandestina, promovendo atentados contra as grandes potências e seus aliados. Por esse motivo, o Talebã enxerga o Estado Islâmico como rival no Afeganistão, mas conserva sua antiga cooperação com a Al-Qaeda.

Os fortes golpes desferidos contra a Al-Qaeda e o Estado Islâmico não suprimiram as duas principais organizações jihadistas. Desde a ocupação americana do Afeganistão, os métodos de recrutamento e as formas de organização do jihadismo evoluíram junto com a difusão da internet e das redes sociais. Os atentados terroristas cometidos em nome da jihad ao redor do mundo passaram, geralmente, a ser executados por células isoladas ou militantes solitários radicalizados em redes sociais.

Essa evolução figurou no discurso do presidente dos EUA, Joe Biden, como justificativa para a desastrada retirada do Afeganistão. Segundo seu raciocínio, a ameaça terrorista do jihadismo não mais se relaciona com o poder estatal no país da Ásia Central e as operações anti-terror não exigem a presença de forças militares de ocupação em Estados falidos.

O argumento é verdadeiro, mas apenas em termos estritos. As cenas da humilhação das forças ocidentais no Afeganistão foram celebradas por jihadistas espalhados em dezenas de países, da África Ocidental ao Sudeste Asiático, passando pelo Oriente Médio. A queda de Cabul oferece um novo impulso político à jihad, ocupando um lugar simbólico parecido com o dos atentados do 11 de setembro de 2001 e com a proclamação do Califado no Iraque e na Síria. Os civis afegãos, especialmente as mulheres e as meninas, não serão as únicas vítimas dos eventos de agosto de 2021. 

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