Há 80 anos, em 4 de fevereiro de 1945, iniciou-se a Conferência de Yalta, que dividiu a Europa em blocos geopolíticos rivais. A Segunda Guerra Mundial ainda não terminara: a rendição alemã só ocorreria três meses depois, em 9 de maio, e a japonesa demoraria mais sete meses. Mas, ali, naquele balneário soviético no Mar Negro, que hoje se situa na Crimeia ucraniana ocupada pela Rússia, delineou-se a Europa do pós-guerra.
Da segunda conferência dos Três Grandes (Franklin Roosevelt, dos EUA, Joseph Stalin, da URSS, e Winston Churchill, do Reino Unido) emergiu tanto a Declaração da Europa Liberada, que prometia a democracia, quanto o esboço dos contornos do bloco soviético, uma coleção de nações submetidas a regimes de partido único.
Churchill, Roosevelt e Stalin em Yalta
Sob o ambicioso título “Organização do Mundo”, a declaração final assinada em 11 de fevereiro pelos Três Grandes convocou uma conferência global, que se realizaria em 25 de abril, em São Francisco (EUA), destinada a criar uma organização “pela manutenção da paz e da segurança internacional”. A ONU nasceria daquele chamado.
O título seguinte, “Declaração da Europa Liberada”, abria-se com o compromisso de auxiliar os “povos libertados” a “destruir os últimos vestígios do nazismo e do fascismo” e a “criar instituições democráticas de sua própria escolha”. No papel, decidiu-se que, nos países submetidos à ocupação nazista, seriam estabelecidos “governos interinos representativos de todos os elementos democráticos”, até a realização de “eleições livres”.
Stalin não fez objeções pois sabia que as realidades do poder militar se imporiam sobre a tinta da caneta numa folha de papel.
O encontro na Crimeia assinalou o fim da estreita parceria de guerra entre Roosevelt e Churchill. O presidente americano preferiu operar em acordo com Stalin, levando em conta o fato de que as forças soviéticas avançavam para controlar toda a Europa centro-oriental. O primeiro-ministro britânico ficou isolado em todas as discussões mais relevantes – e retornou a Londres atormentado.
Forças soviéticas entram em Varsóvia, Polônia, em 17 de janeiro de 1945
A guerra começou na Polônia, em 1939, quando o país foi invadido pelas forças nazistas, a oeste, e pelas forças soviéticas, a leste, na moldura do Pacto Germano-Soviético de agosto de 1939. A mesma Polônia tornou-se o foco da principal divergência entre os Três Grandes.
Stalin insistiu no reconhecimento do governo provisório polonês estabelecido sob o patrocínio da URSS, em Lublin, em dezembro de 1944, e liderado pelos comunistas. Churchill protestou, sem sucesso, apontando a existência de um governo polonês no exílio estabelecido em Londres. Conseguiu apenas as promessas de inclusão de “lideranças democráticas” no governo provisório e de eleições livres “assim que possível”.
Os Três Grandes debruçaram-se também sobre o futuro da Alemanha, ensaiando um plano de seu “completo desmembramento”. Decidiu-se pela divisão provisória do país em quatro zonas de ocupação (americana, soviética, britânica e francesa) e pela criação de um comitê tripartite que estudaria a fragmentação definitiva do Reich derrotado.
“Chego da Crimeia com a firme crença de que iniciamos a jornada para um mundo de paz”, declarou Roosevelt perante o Congresso dos EUA. De fato, porém, iniciara-se a jornada rumo à Guerra Fria, inaugurada com a proclamação da Doutrina Truman, em 12 de março de 1947.
O “espírito de Yalta” dissolveu-se rapidamente. A administração da Alemanha dividida em zonas de ocupação provocou tensões crescentes, que decorreram das reformas conduzidas pela URSS no leste alemão, tendentes a instituir a hegemonia política dos comunistas. Nunca ocorreram eleições livres nos países liberados pelas forças soviéticas, que se comportaram como novas forças de ocupação.
Documento original do “acordo de percentagens”, preservado no Museu do Bran Castle
Churchill protestou sobre a Polônia, mas ele mesmo concedeu a hegemonia aos soviéticos em alguns países da Europa centro-oriental por meio do célebre “Acordo de Percentagens”, o acerto informal que concluiu com Stalin na conferência bilateral de Moscou, em outubro de 1944. No acerto sigiloso, que teria obtido a aquiescência posterior de Roosevelt, foram escritas num papelucho, sob a forma de percentagens, as influências soviética e ocidental sobre cinco países.
A prioridade de Churchill era evitar a extensão da influência soviética ao Mediterrâneo oriental, que enxergava como espaço de valor estratégico para a Marinha britânica. Por isso, no acerto, a influência ocidental sobre a Grécia seria de 90% e, no caso da Iugoslávia, meio a meio. Em troca, concedeu à URSS algo entre 90% e 100% de influência sobre a Romênia, 75% a 80% sobre Bulgária e 50% a 80% sobre a Hungria.
Stalin não se contentou com aquilo. Na Polônia, sob repressão cada vez mais aberta, o governo provisório de união nacional tornou-se, de fato, um governo comunista.
Na Tchecoslováquia, eleições livres realizaram-se em maio de 1946. Os comunistas foram o partido com maior número de votos, cerca de 38%, mas sem maioria absoluta. Surgiu, então, um governo de coalizão, que não sobreviveu aos anúncios americanos da Doutrina Truman e do Plano Marshall. Sob ordens de Stalin, em fevereiro de 1948, milícias comunistas impuseram a renúncia dos ministros moderados e a formação de um governo alinhado a Moscou. O golpe de Estado tcheco agravou a crise entre as superpotências que acabaria produzindo a bipartição da Alemanha.
Na Declaração de Yalta não se encontram sinais da divisão da Europa em blocos geopolíticos antagônicos separados por uma fronteira estratégica entre alianças militares rivais. A expressão Cortina de Ferro apareceu somente em 5 de março de 1946, no célebre discurso de Churchill em Fulton, Missouri (EUA): “de Stettin, no Báltico, a Trieste, no Adriático, uma cortina de ferro desceu sobre o continente”.
Não era verdade, mas logo seria. A Doutrina Truman, o Plano Marshall e a célere imposição de regimes de partido único na esfera de influência soviética bipartiram o continente.
O ato derradeiro foi a crise de Berlim, iniciada com a interrupção pelos soviéticos das vias terrestres de acesso aos setores ocidentais da capital alemã ocupada, em junho de 1948. A ponte aérea providenciada pelos EUA e o recuo soviético, em maio de 1949, conduziram à unificação das três zonas ocidentais de ocupação da Alemanha na República Federal Alemã (RFA). Na sequência, proclamou-se a República Democrática da Alemanha (RDA), um Estado-satélite da URSS.
A OTAN (1949) e o Pacto de Varsóvia (1953) enterraram definitivamente o “espírito de Yalta”. Duas Europas, num mundo marcado pela rivalidade entre EUA e URSS.
O totalitarismo soviético expandiu-se para o bloco de países-satélites do leste europeu. Os regimes de partido único basearam-se na repressão permanente – e enfrentaram revoltas populares. A primeira aconteceu na RDA, em junho de 1953, logo após a fundação do Pacto de Varsóvia, quando um levante de trabalhadores de Berlim Leste foi brutalmente esmagado.
Mais tarde, intervenções militares do Pacto de Varsóvia suprimiram a revolução popular húngara de 1956 e a Primavera de Praga de 1968. Finalmente, em 1980, a crise polonesa deflagrada pelo levante do sindicato Solidariedade anunciou o declínio geral dos regimes implantados na parte oriental da Europa. Naquela altura, Yalta já se convertera num marco do passado.
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