CARAVANA, UMA FOTO PARA TRUMP

 

Demétrio Magnoli

29 de outubro de 2018

 

Donald Trump precisava de uma imagem-síntese, às vésperas das eleições para o Congresso, que ocorrem em 6 de novembro. A fotografia da caravana de milhares de migrantes centro-americanos que percorrem o México, rumo à fronteira dos EUA, é a imagem que ele almejava. Se a caravana não existisse, precisaria ser fabricada pelo marketing político. O nativismo, a xenofobia unificam a base eleitoral de Trump.

A caravana, porém, não nasceu do marketing, mas da pobreza e da violência de gangues. Suas sementes estão na hondurenha de San Pedro Sula, apelidada de “capital mundial do assassinato” pelo The New York Times devido ao extravangante índice de homicídios registrado na primeira metade da década.

No 12 de outubro, um grupo de cerca de 160 habitantes da cidade começou a se deslocar, a pé e de ônibus, na direção da fronteira dos EUA. Nove dias mais tarde, atingiram Tapachula, no estado de Chiapas, sul do México, depois de atravessar a Guatemala. Nesse ponto, já eram mais de 5 mil migrantes, majoritariamente hondurenhos mas também guatemaltecos e salvadorenhos. Dali, a caravana fragmentou-se em grupos menores, que se dirigiram a Mapastepec.

 

Trajetória da caravana de migrantes

Fonte: AP

 

Os países do chamado Triângulo do Norte (Honduras, Guatemala e El Salvador) mantêm acordo de fronteiras abertas. Mesmo assim, o governo da Guatemala tentou, sem sucesso, impedir a passagem da caravana. Nesse ponto, Trump ameaçava cortar a ajuda americana aos países do Triângulo do Norte. Uma semana depois, na ponte fluvial que liga a Guatemala ao México, um impasse mais sério foi rompido quando os migrantes cruzaram o rio Suchiate apoiando-se em cordas e balsas improvisadas.

Sob o sol da manhã, na rodovia que liga Ciudad Hidalgo a Tapachula, no sul do México, milhares de migrantes voltaram os olhos para cima, em direção a um helicóptero militar que acompanhava o deslocamento humano. “Se vocês nos mandarem de volta, retornaremos. Não somos criminosos, somos trabalhadores”, gritaram em uníssono.

Nesse ponto, Trump lamentou o fracasso mexicano em interromper a marcha, lançou a tese alucinada de que jihadistas estariam infiltrados entre os migrantes,  anunciou que declararia “emergência nacional” e ordenou o envio de tropas para guarnecer a fronteira sul. As imagens da caravana tornaram-se foco de um discurso eleitoral que se organiza em torno do fantasma da “invasão” dos EUA por hordas de bárbaros. As aparências servem à narrativa xenófoba de Trump – mas enganam. A “invasão” é uma ilusão de ótica.

 

Caravana de migrantes no sul do México, a caminho de Tapachula

Caravana de migrantes no sul do México, a caminho de Tapachula

 

À LUZ DAS ESTATÍSTICAS

Os migrantes centro-americanos podem solicitar asilo aos EUA ou ao México. Os pedidos ao México multiplicaram-se por dez desde 2013, mas a maior parte dos integrantes da caravana rejeitou a oferta mexicana de processamento de solicitações na fronteira do rio Suchiate.

Há lógica na recusa. Nos últimos anos, o México deportou cerca de 950 mil centro-americanos, operando como muralha externa de proteção da fronteira dos EUA. O processamento dos pedidos pode durar até dois anos e os solicitantes permanecem, na sua maioria, em centros de detenção durante parte desse período. Organizações de direitos humanos registram incontáveis casos de maus-tratos contra solicitantes detidos cometidos pelas forças de segurança mexicanas. Os migrantes passaram a se mover em caravanas justamente devido ao medo dessas forças de segurança e de gangues criminosas locais.

As imagens das caravanas geram a falsa impressão de um aumento exponencial na migração latina rumo aos EUA. As estatísticas evidenciam que, pelo contrário, a tendência de longo prazo é de redução do fluxo migratório. As curvas de detenção de imigrantes na fronteira sul dos EUA confirmam as estatísticas gerais. Uma década atrás, as detenções atingiram cerca de 850 mil; em 2017, não chegaram a 300 mil.

 

Detenções de imigrantes no México

Fonte: U.S. Customs and Border Protection

 

As estatísticas revelam, além da marcante redução, uma alteração radical na composição dos fluxos de migrantes que tentam cruzar a fronteira sul dos EUA. Até 2011, registrava-se predomínio absoluto de mexicanos. De lá para cá, porém, a tendência mudou e, atualmente, cerca de metade das detenções são de cidadãos dos países do Triângulo do Norte. Os migrantes sabem perfeitamente do que é capaz o governo Trump. Mas permanecer nos seus países tornou-se uma hipótese intolerável.

“Não viemos aqui porque queremos”, disse a um jornalista mexicano a hondurenha Cindy, de San Pedro Sula. “Não estamos migrando, estamos fugindo”, explicou Timothy, que se juntou à caravana na cidade hondurenha de El Progreso. O governo hondurenho de Juan Orlando Hernandez convive placidamente com as gangues do tráfico de drogas que assolam cidades e povoados. Segundo inúmeros relatos, crime e polícia encontram-se estreitamente imbricados em Honduras.

Os jornais que funcionam como porta-vozes informais do governo de Hernandez acusaram Bartolo Fuentes, ex-parlamentar hondurenho, e sua mulher Dunia Montoya, ativista de direitos humanos, de organizarem a caravana com a finalidade de desacreditar o presidente. Fuentes reagiu à ideia com uma gargalhada, indagando como alguém seria capaz de atribuir a ele o poder de convencer milhares de pessoas a se engajarem em algo tão perigoso.

Centenas dos participantes da caravana têm aterrorizantes histórias de violência para contar. Em meio aos migrantes do Triângulo do Norte, destaca-se uma bandeira da Nicarágua, carregada por Lester Gonzalez e sua família, que fugiram da selvagem repressão do regime de Daniel Ortega em julho e juntaram-se à caravana na Guatemala. “Não podemos voltar para a Nicarágua, pois sabemos o que acontecerá conosco”, explicou Gonzalez a um repórter da AP.

 

AS RESPOSTAS FALSAS – E AS PERGUNTAS VERDADEIRAS

Trump ameaça cortar a ajuda aos países do Triângulo do Norte. A “solução” só agravará a pobreza e a violência, aumentando os fluxos migratórios. O presidente dos EUA promete militarizar a fronteira sul. O “remédio” serve à retórica de campanha, mas é totalmente ineficaz a médio prazo. Da Casa Branca, partem alertas ao México: se não barrar o deslocamento de migrantes, o país seria punido no terreno comercial, inclusive com a anulação do tratado de livre comércio renegociado semanas atrás. A beligerância é inútil, pois o México já faz tudo o que pode, inclusive violando normas humanitárias, para dissuadir as migrações.

As respostas falsas ofuscam as perguntas verdadeiras. Em qualquer acepção razoável do termo, incontáveis dos migrantes em marcha são refugiados. Muitos outros são, de fato, migrantes econômicos. Não é difícil entender isso: entre os 9,2 milhões de habitantes de Honduras, 6 milhões vivem abaixo da linha da pobreza. A distinção entre refugiados e imigrantes econômicos não é simples, pois as motivações para o deslocamento frequentemente se confundem e superpõem. Como abordá-la, sem infringir as leis americanas e os tratados internacionais que garantem o direito de asilo?

O México vai deixando de constituir a fonte principal de fluxos migratórios para os EUA. Tudo indica que, no futuro próximo, figurará essencialmente como corredor de passagem de massas de migrantes oriundos do Triângulo do Norte. Sob pressão dos EUA, o país corre o risco de converter suas forças de segurança em polícia de fronteira do vizinho do norte. O novo governo de Andrés López Obrador estará disposto a conservar esse curso?

A pobreza e a violência de gangues no Triângulo do Norte converteu-se em problema político e social regional. As reações nacionais de fechamento de fronteiras ou deportações em massa servem à retórica populista, mas só o agravam. Mas como superar essas reações, se o governo Trump alimenta-se precisamente da xenofobia?

 

 

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