DEPOIMENTO:“AVISARAM-ME QUE EU NÃO ERA BENVINDA NA RÚSSIA”

 

Victória Dandara Toth Rossi Amorim

(Estudante na Faculdade de Direito-USP)
25 de junho de 2018

 

Em agosto de 2016 eu preparava minha viagem para um programa de formação de jovens líderes globais que ocorreria em Moscou, Rússia. Organizando os detalhes burocráticos de minha ida, busco informações no site do consulado brasileiro, encontrando aviso que solicitava que pessoas LGBT que objetivassem ir a Moscou entrassem em contato por e-mail.

Minha mãe fez o que fora solicitado, explicando os detalhes de minha participação no programa e até mandando as cartas de aprovação, atentando ao fato de eu ser uma mulher transexual. Como resposta assinada pelo vice-cônsul, obtivemos um direcionamento claro: “desistir da viagem, pois eu não estaria segura em nenhum lugar e o governo russo era claro quanto ao fato de cidadãos LGBT não serem bem vindos”, o que, salientou o oficial, “em nada tinha relação com a posição do Estado brasileiro”.

Não ignorando as recomendações que me foram dadas, mas ainda assim sem desistir da oportunidade incrível que eu recebera, decidi encarar o desafio da viagem e os possíveis percalços, tomando algumas medidas de segurança, como conversar com os coordenadores do programa e tentar não sair desacompanhada durante minha estadia em Moscou. Mas para além desta experiência pessoal e acadêmica, a qual quase fora impedida pelo preconceito da sociedade e do Estado russo, é interessante analisar como vive a população LGBT que, de fato, reside neste território tão negligente às suas demandas e direitos.

Em breve análise, podem-se citar algumas normas jurídicas vigentes na Rússia de Vladimir Putin, como:

  1. Lei de proibição à “propaganda LGBT” para menores de idade, cerceando assim o direito dessa comunidade de fazer suas reivindicações, sobre pena de prisão;
  2. Lei que proíbe transexuais de dirigirem;
  3. Jurisprudência consolidada dos tribunais em retirar a guarda dos pais LGBT’s.

Com este simples compilado já se pode ter uma boa noção de como se dá a cidadania dos indivíduos LGBT na Rússia, com desprovimento de direitos e cerceamento de algumas prerrogativas básicas, previstas inclusive na Declaração de Direitos Humanos de 1948, reconhecida pelas nações integrantes da ONU, como o próprio Estado Russo.

Deve-se resgatar, para fins de análise, as razões que levaram a tal documento declaratório de 1948. O holocausto judeu e a banalização da vida humana demonstraram a necessidade de elaborar uma declaração na qual todas as nações reconhecessem as prerrogativas básicas dos indivíduos, que não poderiam, em hipótese alguma, ser questionadas, visto o caráter inerente à condição humana em sua universalidade. Em tese, o Direito de todos os países membros das Nações Unidas deveria ser orientado por tais princípios, sobretudo a defesa da Dignidade da Pessoa Humana, atribuída a todos os indivíduos desde seu nascimento (Art. 1º).

Neste sentido, percebemos como as normas do Direito positivo russo estão em total desalinhamento com os Direitos Humanos, sobretudo com a Declaração de 1948. Intervenções na vida privada dos indivíduos e de suas famílias são coibidas pelo Art. 12 deste documento, o que não impede, no entanto, que o governo russo separe pais e filhos com base na orientação sexual ou identidade de gênero dos primeiros; tampouco  restrinja atividades comuns, como dirigir, meramente pautada por uma discriminação subjetiva do individuo; sem falar no grave cerceamento à liberdade de expressão, garantida no Art. 19 da Carta da ONU.

Trata-se de um Direito injusto – adotando a interpretação proposta pelo Dr. Martin Luther King – pois são normas que a maioria não aceitaria para si, mas que se impõe a uma minoria como obrigatória. Este ordenamento é muito ardiloso, pois a partir do momento que se aceita como legítimo ferir a dignidade humana de determinado grupo, não haverá garantia para o restante da sociedade sobre os seus direitos. O resultado é uma grande instabilidade jurídica, como a que existe no Estado russo, caracterizado como autoritário e anti-democrático.

O questionamento final é: Como agem as forças internacionais perante essa questão? Há claras denúncias de homofobia feitas por cidadãos russos e é nítido o desrespeito aos direitos, sobretudo à dignidade humana. Entretanto, não se vê nenhuma penalidade imposta pelas Nações Unidas, ou qualquer manifestação oficial dos demais países signatários da Declaração de 1948, por exemplo.

A resposta a este paradigma é a maior dificuldade na efetivação dos direitos garantidos pela ONU: Não são suficientes os mecanismos formais de cobrança do respeito aos direitos humanos por parte dos Estados. Mesmo a fiscalização de situações que lesam as garantias individuais é tarefa executada muito mais por ONG’s e associações independentes do que por ferramentas institucionais de monitoramento. A ONU não tem sido eficiente nesse sentido e por ser suscetível às constantes disputas de influência que pautam as relações internacionais, a dificuldade de ação torna-se ainda maior, cabendo, portanto, aos defensores dos Direitos Humanos pensar em novos mecanismos para tornar eficiente a aplicação destes direitos, que como o próprio nome afirma, são fundamentais.

 

 

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