MÁQUINA DE DEPORTAÇÃO DE TRUMP CINDE FAMÍLIAS

Demétrio Magnoli

18 de junho de 2018

A fronteira dos EUA com o México sempre foi palco de cenas inquietantes, mas o governo Trump ultrapassou barreiras que pareciam intransponíveis. A máquina de deportação dirigida pelo advogado-geral da União, Jeff Sessions, aprisiona demandantes de asilo que se apresentam voluntariamente à polícia fronteiriça e separa crianças de seus pais, enviando-os a distintos centros de detenção. São violações em massa das leis internacionais de direitos humanos e, também, das próprias leis americanas.

Lee Gelernt, advogado da União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU) classifica os eventos como “a pior coisa que vi em mais de 25 anos fazendo esse trabalho”. No site da ACLU, aparece a acusação direta: “descobrimos dezenas de milhares de páginas de evidências que documentam abusos físicos, sexuais e verbais contra crianças por parte de funcionários da agência de Imigração e Proteção de Fronteira (CBP)”. O contexto é relevante: “A maioria dessas crianças é constituída por demandantes de asilo que fogem da violência no México e na América Central. Alguns são mães adolescentes. Alguns fogem de gangues. Alguns precisam de assistência médica. Todos arriscaram suas vidas em busca de segurança – e, tragicamente, o CBP aniquilou o sonho de tantos deles.”

A revista The Economist sintetizou a história da hondurenha Mirian, que fugiu de seu país com o filho de 18 meses depois de um assalto de soldados à sua casa. Mirian requisitou asilo na fronteira americana, entregando sua carteira de identidade e a certidão de nascimento da criança. Então, uma viatura do CBP separou o filho da mãe. No relato dela, perante um juiz: “Meu filho chorava quando o pus no assento. Não tive nem tempo de reconfortá-lo, porque os policiais bateram a porta assim que ele sentou.”

Até 2005, os EUA enviavam imigrantes ilegais de volta a seus países por meio de transferências voluntárias ou de processos administrativos. O governo de George W. Bush inaugurou a prática de abrir processos criminais contra indivíduos que cruzam a fronteira ilegalmente. Sob o governo de Barack Obama, as deportações cresceram exponencialmente – mas pais e filhos detidos na fronteira aguardavam juntos a conclusão dos processos que determinariam seu estatuto. Sob Trump, a política anti-imigratória praticamente não distingue requisitantes de asilo de imigrantes ilegais – e viola os direitos elementares de uns e outros.

Nesse ponto, entre as nações democráticas, os EUA estão sós. Na Holanda, as famílias que cruzam ilegalmente a fronteira são detidas, mas não separadas – e as crianças ganham matrículas escolares. Mesmo a Austrália, tristemente célebre pelos deploráveis campo de imigrantes ilegais criados em Nauru e Papua Nova Guiné, não separa as crianças de seus pais. Em março de 2017, John Kelly, então ministro de Segurança Interna de Trump, explicou a lógica que orienta o governo: “dissuadir mais movimento ao longo dessa rede terrivelmente perigosa”. A rede de “coiotes”, os traficantes de gente na faixa fronteiriça, é “perigosa”, sem dúvida – mas a máquina oficial de deportação americana revela igual desprezo pelos direitos das pessoas.

A Quinta Emenda da Constituição dos EUA garante o direito ao devido processo legal. A detenção de demandantes de asilo que se apresentam voluntariamente à polícia fronteiriça viola esse direito básico. A separação das crianças, privadas durante meses da presença de seus pais, é uma repugnante infração aos direitos humanos elementares. Quando Kelly, imprudentemente, declarou a finalidade estratégica da prática, estava confessando um crime de Estado.

O fluxo de imigração para os EUA, legal e ilegal, encontra-se em níveis historicamente baixos – e muito inferiores aos de uma década atrás. Não há motivos para crer que a política de aterrorizar imigrantes modifique substancialmente os fluxos migratórios, cujos níveis dependem de fatores estruturais profundos. Mas o terror oficial retrata o estado de degradação dos valores políticos nos EUA. A nação que impulsionou a Declaração Universal dos Direitos Humanos tem, hoje, um governo dedicado a rasgar o documento firmado em 1948.

“Se você não quer seu filho separado, não o traga ilegalmente através da fronteira”. A ameaça, que soa como manifesto de um grupo terrorista, partiu de Sessions.

 

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